sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sobre aquela água imensa…

Já vai fazer uma semana, tão Agosto ia o Outubro, bem diferente do que vai agora. Numa ida há muito anunciada até ao Alqueva assim se passou o sábado, entre um passeio de barco sobre aquela água imensa que compõe o maior lago artificial da Europa e um pôr-do-sol em Monsaraz, no Alentejo turístico e idílico.

A barragem do Alqueva, projecto já maduro, na casa dos cinquenta, viu a luz do dia em Fevereiro de 2002, quando começou o enchimento da barragem. Tem padrinhos e opositores, gente que advoga a sua pertinência e outra gente que o encara como extemporâno e, por isso, inútil. Para mim, alheia à discussão ambientalista, pousei os olhos na paisagem e retive a paz, a beleza e o cheiro do Alentejo. Aqui ficam uns momentos que captei e partilho convosco.



terça-feira, 28 de outubro de 2008

Mimos

Quem não gosta de mimos? Todos gostamos. Gostamos que gostem de nós, que nos leiam, que se interessem e o demonstrem. Escrevemos porque gostamos de o fazer, ou por necessidade do exercício, ou como libertação, ou para comunicar, ou para conviver. Ou por tudo isso ao mesmo tempo.

É por todas estas razões que fiquei contente e surpreendida, quando ouvi ontem na Antena 1, no programa Janela Indiscreta, de Pedro Rolo Duarte, alusão ao meu último post O barco vai de saída... sobre José Cardoso Pires.

E eu, que sou uma desleixada em matéria de prémios blogosféricos, há já dias que tinha um prémio atribuído, curiosamente por duas pessoas, o Flip do Flipvinagre e o Tim Booth do Livrosemcritério. Dá pelo nome de “Dardos” e tem a aparência que acima se mostra.

Manda a tradição aqui neste mundo que se distribua por mais 15 alminhas, (ia jurar que costumava ser menos…) e tal, e tal, que o resto da conversa já todos conhecem. Infelizmente, a regra é “passa a outro e não ao mesmo”, como nos jogos de bola da adolescência, senão dois dos meus eleitos seriam necessariamente as duas fontes que jorraram este prémio. E outros blogueiros haverá, certamente merecedores da estima anunciada, e outros mais que entretanto já foram aqui neste sítio por mim recordados, sendo a lista que se segue um exemplo entre outros possíveis. Ah, já agora, se não quiserem continuar a passar compreendo perfeitamente, que isto de correntes…

domingo, 26 de outubro de 2008

O barco vai de saída...

O barco foi de saída, faz hoje precisamente dez anos. José Cardoso Pires saiu, de vez, passou a fronteira, depois de várias ameaças para transpor esta barreira que separa a vida da morte. A mais conhecida, talvez, em 1995, três anos antes da derradeira, em que o escritor, vítima de um acidente vascular-cerebral, vagueou no limbo para, recuperada a memória e a consciência do real, nos passar esse testemunho em De Profundis: valsa lenta, editado em 1997. Um testemunho escrito do tempo em que ele foi o Outro, tão ausente e por isso indiferente a todos e a tudo, alheado de si próprio.

Lisboeta por adopção, José Cardoso Pires foi mais um a juntar a sua voz para enaltecer a Cidade Branca, como lhe chamou Alain Tanner. No seu livro Lisboa - Livro de bordo: vozes, olhares, memorações, percorre as ruas da cidade, temperando-as das sensações que colhe a cada passo, das emoções, dos pensamentos. É uma Lisboa subjectiva esta, na primeira pessoa, como o é a cidade de alguém cheio de alma, cujo olhar se detém nos pormenores e os traduz numa escrita depurada. José Cardoso Pires, citando alguém aqui sem nome, e ainda a propósito de Lisboa, anui: A primeira vista é para os cegos! Através de praças e estátuas, contando histórias, lê a cidade interpretando-a pelos sentidos:

É que isto aqui não é só luz e rio, sabes bem. Não é só geografia, revelações ou memórias e o restante diz-que-diz dos manuais e dos oradores frustrados. Há vozes e cheiros a reconhecer - cheiros, pois então: o do peixe de sal e barrica nas lojas da Rua do Arsenal, não vamos mais longe; o da maresia a certas horas das docas do Tejo; o do verão nocturno dos ajardinados da Lapa; o dos armazéns dos aprestos marítimos entre Santos e o Cais do Sodré; o do peixe a grelhar em fogareiro á porta dos tascos de recanto ou de travessa, desde o Bairro Alto a Carnide; há, no inverno pelas ruas, o cheiro fumegante das castanhas a assar nos fogareiros dos vendedores ambulantes.

E acima de tudo há a voz e o humor, o tom e a sintaxe, aquilo que te está, cidade, mais no íntimo. Falo, é claro, do imaginário vocabular e da construção da frase que por si sós se fazem ironia.

E mais poderia citar, mas não vale a pena. Muitas outras obras ele deixou, todas elas referências maiores da nossa literatura, mas eu escolhi centrar-me nesta, talvez não por acaso mas sim pela atracção partilhada pela capital de Ulisses, como lhe chama. A nossa.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Diálogos distantes...



Olá linda,

Estamos de partida para Aurangabad, onde vamos passar uns dias a visitar umas grutas budistas. Enquanto aguardo a hora de partir para a estacão (um magnifico exemplar do colonialismo britânico), uso esta meia-hora para te mandar noticias.

Tenho-me lembrado muitas vezes de ti, ao percorrer estas ruas barulhentas e malucas de Bombaim.

Há dias, deambulando por uma rua "sem trânsito" (o que é impossível, porque mesmo assim há bicicletas, carroças, carrinhos e outros "veículos" de toda a espécie, a fazer-te desviar o tempo todo), deparamo-nos com uma família daquilo a que chamo "fazedores de grinaldas", à falta de melhor. São pessoas cuja profissão é tecer grinaldas lindas de flores e folhas frescas, que as pessoas compram para levar aos deuses do templo, nas suas rezas diárias. Habitualmente vês pessoas isoladas, mas aqui estava uma família inteira, com cerca de 10 pessoas dos 70 aos 4 anos, cada um com a sua tarefa, numa verdadeira "indústria" familiar.

Parámos para registar o momento, que é o que nós, turistas/viajantes, fazemos e aproveitámos também para comprar duas grinaldas, que pusemos ao pescoço.
O P. tirou a dele passados uns minutos, porque achou que estava a dar demasiado nas vistas, mas eu estava encantada com o meu colar de flores cor-de-laranja, que tinha umas florinhas brancas na ponta que deviam ser de jasmim...cheirava tão bem!...

Umas passadas mais à frente, lá estava um mini templo, dedicado não sei a que divindade (são milhões... e só consigo reconhecer Shiva e Vishnu), com os seus sacerdotes, com as suas rezas e toques no sino.

Resolvemos parar para oferecer as nossas flores.

Apesar de se tratar apenas de um altar, rodeado de cadeiras de plástico velhas, que faziam uma espécie de corredor de acesso, tivemos que deixar os sapatos "à entrada", para nos aproximarmos da divindade.

Tirei o colar do pescoço e fui toda despachada atrás do P., oferecê-lo ao deus, mas fui rapidamente enxotada por um sacerdote que, com gestos, me explicou que não podia oferecer uma coisa que tinha estado em contacto com o meu corpo.

Afastei-me, de orelha murcha, e fiquei a ver P. a fazer o seu ritual, que consiste no seguinte: faz-se uma vénia, depois dá-se um toque no sino, ofereces as flores ao deus e enfias o indicador numa taça de cobre com um pó escarlate que colocas na testa (no terceiro olho).
P. virou-se, todo feliz, com uma pinta no meio da testa e eu, toda invejosa, olhei-o a sentir-me já não humilhada mas injustiçada. Afinal de contas, ele também usou o colar, só que o sacerdote não viu.

Mas o sacerdote deve ter percebido que eu não era má pessoa, era apenas ignorante, e teve pena de mim. Com gestos, disse-me que já podia fazer a minha oferenda (as flores já deviam ter perdido a minha energia impura...). Até avancei de chinelas calçadas e tudo!

Mas voltei para trás para as deixar “à porta" do tal corredor de cadeiras. Queria fazer tudo como deve ser...
E lá fui, toda nervosa com a benesse que me tinha sido concedida; fiz o que tinha a fazer sem olhar para a cara do deus, para mostrar a minha humildade...

Tenho uma foto com a pinta vermelha na testa. Depois mostro-te.
Fica-se esquisito nesta terra, não achas?

Bom, minha querida, o P. veio chama-me. Parece que são horas de nos fazermos à estrada…
Ah... Já sei atravessar ruas! Como quase não há passadeiras, e mesmo quando as há não se percebe de que lado vêm os carros, colo-me a um indiano e atravesso pertinho dele. Pelo menos, sei que ninguém me atropela, mesmo que buzinem furiosamente (mas essa é a musica de fundo e já nem ligo...).

O P. atravessa como um verdadeiro hindu, fico fascinada…
T.

Eu fiquei para aqui toda pequenina, neste meu cantinho, cheia de pena de não estar aí ao pé de vocês, especialmente de ti, minha linda, para poder gozar de todas essas sensações... Ai, quem me dera! Deve ser um mundo novo, mesmo que velho seja, mas cheio de coisas outras para os nossos olhos, não é?...

Gostei muito que te tivesses lembrado de escrever. Sabes, antigamente fazia-se isso: as pessoas iam viajar, ou simplesmente moravam do lado de lá das outras, e escreviam-se. Hoje já não, o que é pena. Por isso este teu mail soube-me a pouco, ainda por cima porque não o esperava e assim a surpresa foi maior. E boa! Vou guardá-lo para o saborear devagarinho, aos poucos.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Como um soco no estômago...


Era uma vez um operário da construção civil e a sua mulher. Ele desempregado, ela a dias. Era uma vez a irmã deste, enfermeira dedicada e o pai, dos dois, que carregava a cruz de um trauma do Ultramar, numa mente deformada por uma visão distorcida e parada no tempo. Era uma vez um rapaz Nuno, doente terminal, que agonizava numa cama de hospital, e a sua mãe, desesperada e vazia, principalmente vazia, que suspirava pelo fim daquela dor. Era uma vez um punhado de gente pobre, suburbana, infeliz. Era uma vez uma realidade fria e pardacenta.

Este filme que estreia amanhã, Entre os Dedos, é a última cria de Tiago Guedes e Frederico Serra, com argumento de Rodrigo Guedes de Carvalho. Rodado a preto e branco, já que é a cor da dor que retrata, com uma excelente fotografia e uma performance de Filipe Duarte, Isabel Abreu, Gonçalo Waddington e outros, a condizer, é um magnífico exemplo de um filme neo-realista português, brutal na sua crueza. No tempo da ditadura e da sua filha censura, o neo-realismo estava obviamente ausente dos ecrãs, por encarnar o despertar das consciências que se queriam adormecidas, à luz da atmosfera que se respirava. Agora, e ainda, tantos anos passados sobre os gritos de alerta deste género, ele sobrevive e ganha expressão.


Se riqueza gera riqueza, pobreza gera pobreza. E as injustiças devem ser denunciadas. Contudo, há uma espécie de prazer mórbido em filmar o submundo, bem patente no cinema português. A temática predilecta da maioria dos filmes nacionais centra-se em actividades que, estou convencida, a maioria dos consumidores de cinema apenas conhece no plano teórico. Não é o caso de Entre os Dedos, já que aqui a pobreza é mais comum, é de uma classe trabalhadora desafortunada, ou da doença, ou de outros males. Mas refiro-me ao cinema nacional em geral. Não que estes temas não devam ser tratados, nada disso. Apenas questiono se devam constituir o exclusivo, como se toda a sociedade portuguesa, todo o país se reflectisse nessa imagem de criminalidade, de submundo. Este olhar escuro, tão do agrado dos realizadores, tão deprimido e tão deprimente, do estilo de feios, porcos e maus, já cansa. Como se o bom cinema, o que é considerado arte, tenha que ser exclusivamente negro, obscuro, angustiado e como se só por esse diapasão se afinasse a alternativa ao cinema comercial.


Se eu fosse uma marciana verde, e não soubesse rigorosamente nada sobre este país, ficaria com a firme noção de que por cá, as mulheres ou tinham todas bigode e lenço preto, ou eram prostitutas, e os homens pertenceriam todos ou a quadrilhas organizadas, ou eram agentes corruptos, nos drogávamos em massa e outras “traquinices” que nem me apetece explorar agora.

Ainda a propósito, recordo uma recente entrevista de João Canijo, realizador de cinema, à rádio Radar, em que ele defendia a tese do miserabilismo. Este rótulo já cansa. Cansa pela falta de vontade de mudar as coisas, pela má língua atávica; cansa, porque, para João Canijo, Portugal se resume a esse quadro de tons negros, pela visão miserabilista e monocórdica. Cansa, ainda, pela arrogância intelectual com que muitas vezes esse discurso é servido.

Apesar de todas as carências que, efectivamente, existem, muita coisa se fez e muito caminho se tem construído.

Outro mundo há para além do underground. Talvez um mundo demasiado normal para a câmara de filmar, de gente comum, com preocupações comuns. E, claro, a miséria é muito fotogénica...

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Pequeno conto começado por P

Pegava numa caneta e ficava horas a fio a rabiscar palavras soltas numa página que já fora branca. Palavras soltas, sem sentido, sem ligação, apenas pelo puro gozo do exercício mecânico de pintar o papel com a tinta da caneta, de escrever, escrever... Era criança, jovenzinha, adolescente, e aquele acto entretinha-a numa espécie de brincadeira solitária, sem que tivesse qualquer pretensão de narrar histórias ou compor poemas.

Passou o tempo e interrompeu-se a brincadeira. Veio o teclado e, mais tarde, o prazer reinventou-se, de mansinho, pé ante pé, já sem a presença da tinta e do papel, mortos que estavam e a mão perdendo cada vez mais a paciência para o desenho das letras. Desta feita tentando que as palavras se dessem a conhecer umas às outras, se apresentassem e convivessem. Podia até ser que viessem a ser amigas, a crescer juntas. Quem sabe até formar família, multiplicarem-se.

Passaram então a desenvolver-se e a crescer, por impulsos sucessivos, ao sabor dos humores, do que a dona daquela mão impaciente via e lia e sentia e...

Perderam-se no emaranhado dos muitos afazeres, das poucas horas, dos vazios de inspiração, das hesitações. Os pequenos dramas dos casais de palavras, dos arrufos das cedilhas e dos acentos desavindos, num tumulto desordenado com fim à vista.

Pediu-se, então, a opinião de agentes neutros: que sim, é de continuar. Que sim, têm tudo para serem felizes. Afinal de contas, não se abandonam as palavras à primeira dificuldade, ao primeiro contratempo.

Procurou-se pois a reconciliação. Timidamente foram voltando, aos poucos, com sorrisos estreitos, combinando encontros nas páginas umas das outras, visitando-se.

Pouco a pouco, foram ganhando confiança. O sorriso tímido deu lugar ao riso e este à gargalhada. Estavam felizes, as pobres!, conviviam unidas e projectavam futuros longos.

Prometeram continuar juntas, mesmo que a dona se aborrecesse, as ignorasse e lhes fechasse a tampa do teclado.

Palavras leva-as o vento...

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A tradição já não é o que era...

Sábado à noite. No Lourdes Norberto sobe ao palco a última homenagem deste ano, desta vez a uns senhores que fazem 33 anos de existência e que eu, confesso a minha ignorância, julgava já moribundos para as cantorias. Falo da Brigada Victor Jara, assim baptizada em honra do chileno assassinado aquando do derrube do regime de Salvador Allende, em Setembro de 1973.

De viva voz fiquei a saber que nasceram em 1975 e que, no contexto revolucionário, incluíram-se nas campanhas de alfabetização para, a partir de Coimbra e através da música, fazer chegar junto dos iletrados a luz das raízes musicais do povo - ou seja, dos próprios. Era uma outra espécie de alfabetização, paralela à das letras e das contas de somar; esta, a dos sons reconhecidamente bons, de qualidade, autênticos.

O que este grupo faz é música da melhor. Com base numa recolha etnográfica, faz uso de uma multiplicidade de instrumentos musicais que vão desde a viola, a viola braguesa, a gaita de foles, o violino, a flauta, o acordeão, os ferrinhos, entre outros. Todos os sons são bem-vindos e a Brigada Victor Jara cozinha-os magistralmente. Ou, como talvez eles próprios o diriam, "os cozinheiros não somos nós mas o povo que gerou esta música". E é precisamente aqui que é devida a reflexão. Música popular, música pimba, música pop, música para o povo, música de recolha etnográfica. Tudo coisas diferentes, como é bom de ver. O Estado Novo foi pai de um género dito popular mas que ficou para os anais da História como género maldito, o folclore. De cariz propagandístico, servia os intentos do Estado e pintava um povão de bochechas cor-de-rosa, reduzindo-o a bilhete-postal das chamadas regiões administrativas.

Em contrapartida, surge um trabalho mais sério, de recolha, como é o caso deste grupo, entre outros que também se dedicam a perpetuar a tradição oral portuguesa. Aqui as notas são bem outras, o tratamento, a harmonização das cantigas soa de maneira totalmente diferente: mais rica, mais genuína, muito melhor.

Depois, surge o pimba. Género popular, sem dúvida, mas sem o mérito que se atribui à música popular tradicional, assente numa pobreza musical muitas vezes confrangedora mas que, por isso mesmo, entra muito facilmente no ouvido.

Há, portanto, várias versões de música popular. Todas elas saídas do povo e para o povo. Todas elas por ele apreciadas, se bem que em momentos e contextos diferentes. A primeira, fruto de uma ruralidade fechada em si mesma, sem grandes influências do exterior a não ser a que lhe advinha da poeira dos séculos, já que em muitos casos se nascia e morria sem visitar a aldeia vizinha; cantava a sua realidade através de instrumentos tradicionais, proporcionando uma harmonia e beleza próprias das coisas simples. A segunda, manipulada, acatitada, voz do pobrete mas alegrete, já sem o charme da primeira. Agora, o pimba, versão industrializada, consumista, que ora canta a saga do emigrante de Agosto, ora se detém nas mundanidades suburbanas do shopping.

Porém, todas elas populares, se entendermos como tal um género que nasce do povo e a ele agrada. Todas elas, a meu ver, explicadas pelas conjunturas que lhe correspondem e pela dinâmica da História. Do mundo rural, fechado, traduzido aqui em regiões com identidade própria, à globalização, à linguagem comum.

De entre as três nem pestanejo quanto à escolha. É evidente que é da primeira, da música popular tradicional, que me chegam os sons que me encantam, pela variedade e riqueza que permitem. Mas não posso deixar de me lembrar de uma frase que vi há dias pespegada na parede de um café e que, tão a propósito, falava assim: "o povo gosta de luxo; quem não gosta é intelectual". À música, e não só, assenta-lhe como uma luva...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Traz outro amigo também...


Traz outro amigo também. E outro. E outro ainda, todos pela mão de Armando Caldas, o director do Intervalo Grupo de Teatro, que mora no Auditório Lourdes Norberto, em Linda-a-Velha.

A cada Outubro - há já 27 anos a esta parte, repete efusivamente Armando -, que esta Companhia de teatro celebra a sua existência com uma Semana Cultural (ver post de 8/11/2007), em que todos os dias se homenageia alguém das artes do espectáculo com outro alguém que percorre o seu caminho, necessariamente longo, feito de muitos e muitos anos a pisar palcos. São palavras de apreço que poderiam soar a uma banal troca de galhardetes, não fossem estes eleitos gente de reconhecido mérito e muitas provas dadas. Palavras, não discursos; conversas entre amigos, com o toque da informalidade que o momento requer. A acompanhá-las, a música, sempre. Sempre nacional e sempre variada, como variados são os aniversariantes.

O aniversariante de hoje (ou melhor, de ontem, o relógio não mente...) à noite chama-se Nicolau Breyner. Esse mesmo, o actor que dispensa apresentações; um clássico dos palcos e ecrãs nacionais, tão clássico que quase nos esquecemos dele, não está na moda; que saiu do Conservatório com um diploma em drama para, logo de seguida, mergulhar de cabeça na comédia, que lhe ficaria colada à pele para o resto da vida, não fosse uma troca de agulhas, ao regressar ao primeiro género, através de vários papéis dramáticos representados no cinema nos últimos tempos. Pela minha parte prefiro-o assim, neste registo sério, como em Os Imortais, filme de António Pedro Vasconcelos, baseado no romance de Carlos Vaz Ferraz Os lobos não usam coleira. O título do filme vai beber à tropa de elite do exército persa; um thriller centrado em quatro ex-comandos da Guerra Colonial que, marcados por perturbações que lhes guiam as vidas, mantêm todos os anos um ritual que lhes permite recordar os velhos tempos e solidificar o espírito de grupo. Neste filme, Breyner dá corpo e alma ao inspector da Judiciária, cujo faro de velho tarimbeiro, amante de fado e outros petiscos, lhe permite ver para além das aparências.

Deste e de outros Breyner falaram Carmen Dolores e Jorge Leitão Ramos, a primeira, testemunha do teatro; o segundo, elencando o seu percurso no cinema. Memórias revisitadas ao longo de duas horas de convívio. Porque de convívio se trata, assim com sabor a tertúlia, acompanhada à viola por Rui Veloso e sua banda, entre gracejos e pequenas estórias; os clássicos do Rui cantados por todos, de cor, de tão entranhados e sabidos que já fazem parte da memória musical deste País.

Anteontem houve outro e, no dia anterior, outro ainda. Amanhã haverá mais. Até domingo. Armando Caldas traz até nós este ano Luís Miguel Cintra, João Mota, o grupo coral Cramol, Nicolau Breyner, Carlos Avilez e a Brigada Victor Jara. Com eles e para eles a música de Carlos do Carmo, José Mário Branco, Carlos Mendes, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo, Rui Veloso, João Afonso, Xaile, entre outros.

Neste espaço pequeno, neste cantinho acolhedor, a rebentar pelas costuras, de tanta gente, sentada no chão que já não há cadeiras que cheguem. Vêm bancos de pau em socorro das pernas dos que aguardam em pé... É sempre assim, ano após ano. Vão os habitués e os novos, uns e outros à espera do reconforto de um serão em família, que interrompe a rotina e faz a semana merecer-se. Livremente, que por cá não se cobram entradas.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Incapacidade

Lamento muito desiludi-lo, senhor António, mas, por mais que me esforce, ainda não foi desta que consegui dizer mal de si. Gostaria de lhe fazer a vontade, de o surpreender, elevando-me assim da massa anónima de admiradores seus, dizendo que as suas crónicas são um enfado, são mais do mesmo - e que dizer do estilo! -, aquela mania de fazer apartes em parágrafos soltos, suspiros, falar com os seus botões…

Confesso a minha incapacidade para cumprir tal propósito. Prometo continuar a esforçar-me mas, ou a minha falta de jeito ou a sua inesgotável arte de bem pintar pequenos nadas, fazem antever um caminho difícil. A ver vamos: enquanto há vida há esperança…

Ver crónica de António Lobo Antunes, Eu, em Agosto, "Visão", 26/09/2008

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Há mouro na costa...

Estas fotos tiradas em 2004, na praça Jemma al Fna, em Marraquexe, parecem simbolizar uma viagem ao passado, uma espreitadela à Idade Média...

Uma praça mítica, com um ambiente do outro mundo, em que a realidade e a ficção se misturam, numa paleta de cores, de cheiros, de sensações.
Aqui para sul, a dois passos de casa, a diferença, o exotismo... Tão perto de nós.


quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Não te posso ver nem pintado



É este o título curioso e bem arquitectado, num trocadilho feliz, da nova exposição do Museu Berardo, no CCB, que pretende renovar anualmente a sua exposição permanente, de acordo com o que tenho lido a este respeito.

Apresentada como um percurso da figuração na pintura dos últimos cinquenta anos, esta exposição contempla obras de diversos autores. Mas foram as telas de Paula Rego, Noronha da Costa e Julião Sarmento as que mais me cativaram, por uma empatia estética. A pintura figurativa, influenciada pela fotografia, o cinema ou o multimédia, pretende reter imagens do real, sendo que os "transforma", interpretando-o, numa óptica mais próxima do sentimento do que da visão nua e crua. Assim, e voltando ao meu sentir sobre Paula Rego, por exemplo, as criaturas que figuram nas suas telas falam-nos de lendas e contos mas, pela força da sua própria realidade, ganham vida própria, impõem-se-nos, e não se limitam tão somente a ilustrar a narrativa que lhes serviu de berço. Numa imagem que vem a propósito, este pequeno excerto de Henry Miller (in Trópico de Capricórnio, 1939) que, e em sintonia com o Comissário da Exposição Eric Corne, retirei do folheto de divulgação da mesma:

Já não olho nos olhos da mulher que tenho nos meus braços, mas atravesso-os a nado, cabeça, braço e perna inteira, e vejo que por detrás das órbitas do seus olhos se estende um mundo inexplorado, mundo de coisas futuras.

De salientar a presença de pintores de paragens mais distantes, como é o caso do filipino Manuel Ocampo ou do sul-africano William Kentridge, a que, normalmente, dificilmente temos acesso.

Apesar de toda a polémica gerada em torno de Berardo (muitas vezes mais pela provocação da sua própria figura, tão mal-aceite nos meios intelectuais), e sem querer tomar partido pois, para isso, é necessário estar por dentro da política cultural e dos meandros do negócio, reconheço-lhe que trouxe uma vantagem para o público em geral: o livre acesso contribui para alguma democratização da arte, bem como uma rotatividade francamente apreciável das obras expostas. Faz-nos falta um museu de grande projecção, que não temos, como um Guggenheim, um Prado ou um Moma. Bem sei que a dimensão é diferente da dos países onde esses estão instalados, mas seria uma âncora que atrairia visitantes, turistas e consumidores de produtos culturais e que, consequentemente, imprimiria à cidade - ou ao País - uma dinâmica mais cosmopolita.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O candidato... a candidato

Aquele querido mês de Agosto escolhido para nomeação aos Óscares

O Instituto do Cinema e do Audiovisual anunciou que Aquele querido mês de Agosto, filme de Miguel Gomes, é o candidato português a uma nomeação para o Óscar de melhor filme estrangeiro. As nomeações serão conhecidas em Janeiro de 2009 e a entrega dos prémios a 22 de Fevereiro.

Este filme (ver post A realidade é um lugar estranho..., de 08/09/2008) concorre com o italiano Gomorra, sobre a mafia napolitana e com o brasileiro Última parada 174 ou, ainda, com o francês A Turma. Vejamos se, nomeadamente mais um registo do mundo da máfia, não se sobrepõe a este olhar despretensioso sobre o interior português... Seja como for, penso que é de registar algum reconhecimento a esta "fita".