segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A realidade é um lugar estranho...


Aquele querido mês de Agosto, filme de Miguel Gomes que estreou recentemente, tem muito que se lhe diga. Um pouco ao sabor dos acontecimentos, e fruto de um conjunto de circunstâncias, este filme, como um rio, tomou um curso um pouco diferente do que o que estava previamente pensado na cabeça de Miguel Gomes, de acordo com as palavras do próprio realizador, transformadas em letra de artigo publicado num dos nossos semanários. Por falta de dinheiro, o que parece ser uma constante nestas lides, este filme deixou de ser uma ficção por inteiro, para passar a iniciar-se como documentário. Escolhidas algumas terras do concelho de Arganil - penso que por nenhuma razão em especial a não ser o facto de ser uma zona que o realizador conhece desde menino -, a câmara vai registando os momentos característicos, que vivem tanto lá como aqui, no celulóide: as procissões, a caça ao javali, o jogo da malha, o Agosto dos emigrantes, as festinhas e os bailaricos, protagonistas privilegiados durante estas duas horas e meia de filme. Mas há mais. Interpretado por actores amadores e gente da própria terra, fala-nos dela na primeira pessoa. As histórias de vida, os pequenos mitos de algumas “cromos” locais, figuras criticadas e, ao mesmo tempo, enaltecidas nas memórias desta terra e que conseguimos facilmente identificar como personagens-tipo, reconhecidas noutras regiões. Momentos e personagens que pontuam um Agosto do Interior.

Único filme português presente na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, que decorreu de 15 a 25 de Maio último, este filme poderia ser entendido como um retrato de uma ruralidade kitch: uma crítica a esta realidade que, vista de fora, através dos olhos da gente da cidade, nos surge estranha e que tendemos a rejeitar. A parte de ficção, com uma historieta algo embrulhada sobre um pai demasiado agarrado à sua amargura e à filha-menina-prodígio, contribui para carregar os tons desta realidade estranha… Mas subsiste, a meu ver, um retrato de autenticidade, do Portugal profundo e de gente marcada pela interioridade. No final, um diálogo, magnífico e surreal, em que o realizador parece querer dar luz sobre o filme, ao dizer-nos qualquer coisa como “só existe aquilo que eu vivo, aquilo a que eu reconheço existência”.

9 comentários:

Luis Eme disse...

gostei bastante de te ler, Paula.

fiquei ainda com mais vontade de ver o filme...

bjs

paulofski disse...

Assim terei que ver o filme.

Beijinhos

Paula Crespo disse...

Luis Eme,
Gracias...:) Vale a pena, sim.
Bjs

Paula Crespo disse...

Paulofski,
Mas despacha-te que ele não deve estar em exibição por muito mais tempo...
Bjs

Paula Crespo disse...

Lb,
Contratam, para quê? Para fazer filmes ou escrever as críticas...!? ;)
Bjs

Jorge P. Guedes disse...

Actualmente muito desligado do cinema, não conheço o realizador.
Conheço melhor esse tipo de interioridade do país através de quem vivia as festas de Agosto, e de Setembro, com o maior interesse e nelas parecia reviver os seus tempos de infância.
Acredito, pois, que um bom documentário, quase em tom experimental, com um neo-realismo propositado ou imposto pela falta de verbas, possa retratar de forma mais autêntica a realidade das pequenas terras do interior do país.

Um abraço, esperando não ter escrito nenhum disparate.
Jorge P.G.

Ka disse...

ahhh bela dica para um filme de reentré depois de férias!!
Obrigada

Beijosss

Paula Crespo disse...

Jorge P.G.,
Disparate, nada! ;)
E o facto deste filme ser feito sem utilizar actores profissionais ajuda, a meu ver, a conferir maior autenticidade às cenas.
Bjs

Paula Crespo disse...

Ka,
Acho que é um bom filme para fechar o Verão... ;)
Bjs