terça-feira, 23 de setembro de 2008

No reino dos xetis: o marketing do Norte


É a pronúncia do Norte
, já cantava Rui Reininho, dos GNR. É a pronúncia do Norte, os costumes do Norte, o frio do Norte. É a diferença, demasiadas vezes mistificada, entre Norte e Sul, preconceitualizada. É a lenda, o desconhecimento. O cliché.

Todos os países têm esta dicotomia entre Sul e Norte e Bem-vindo ao Norte (Bienvenue chez les ch’tis) é um filme com piada. Este filme, divertidíssimo, é muito mais do que uma comédia, ao denunciar os clichés e as ideias erradas sobre um norte desconhecido dos próprios franceses, protagonizado por Nord Pas de Calais, encarada até à data como uma região atrasada, de grunhos, pobre, uma espécie de degredo para quem, por ironia do destino, lá fosse parar.

Mais do que um filme, esta comédia revelou-se uma excelente aposta enquanto produto turístico e de promoção da região. Produzido com a colaboração das respectivas autarquias, que ajudaram a financiá-lo, ele é, neste momento, o maior sucesso de bilheteira do cinema francês, pondo "na moda" o sotaque, os costumes e até alguns produtos da região.

A este propósito, transcrevo uma citação do DN (ver artigo):

Quando o Le Monde publicou um artigo acusando Bem-Vindo ao Norte de estereotipação regional, o ex-ministro da Cultura Jack Lang, deputado socialista pelo Nord-Pas-de-Calais, saiu em sua defesa, dizendo: "As pessoas ali são generosas e simpáticas. São autênticas! O filme é, sim, contra os clichés."

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Um dueto memorável...

Já vos tenho dito que, de vez em quando, aterram no meu mail coisas engraçadas? Pois é! E aqui vai mais uma que vos deixo, em vésperas de mais um fim-de-semana: Danny Kaye e Louis Armstrong, num dueto cheio de luz!

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Mamma Mia! - how can I resist you...

Numa época de revivalismos, reabilitam-se os ABBA, entre muitos outros dos 70’s e dos 80’s. Já não são foleiros nem pirosos. E não são mesmo. Reis da pop, as suas canções sobreviveram todos estes anos por mérito próprio e distinguem-se de outra pop mais actual, pela qualidade musical e das letras que, dentro do género, são bem melhores do que muitas que por aí andam. Este filme, todo ele centrado na música da banda sueca, com interpretações fantásticas de todo o elenco, e com uma Meryl Streep fora do tradicional registo dramático, dando provas de ser uma actriz por inteiro, que agarra qualquer papel, é uma injecção de boa disposição. Um conto de fadas cor-de-rosa choque, é certo, mas que deixa um sorriso e transmite uma energia contagiante. Ao contrário do que se possa pensar, agrada não só aos mais velhos como também aos seus filhos. Absolutamente transversal!

E, fazendo coro…

Thank you for the music, the songs I'm singing
Thanks for all the joy they're bringing…

É este o espírito. Não para pensar, mas para sentir.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

A América do nosso descontentamento

Obama versus Palin. Porque é disso que se trata. Umas eleições que, até há pouco tempo, pareciam estar bem encaminhadas para o lado dos democratas, revelam-se agora como que ensombradas pela “aparição” em cena desta verdadeira deusa do obscurantismo. Se, em termos oficiais e formais, as eleições americanas se disputam entre Obama e McCain, a realidade no terreno parece ser diferente. Sarah Palin ganha protagonismo e remete o candidato McCain para segundo plano na discussão pública, como se fosse ela própria a candidata à presidência.

É de Palin que se fala ou, se quisermos, McCain fala através dela, como se tivesse nela delegado plenos poderes de representação. Esta mulher, que nos entra pela casa dentro com ar alucinado, que em nada defende os direitos das mesmas; uma mulher que, completamente tonta, se manifesta a favor da pena de morte, do uso generalizado das armas (como se já houvessem poucas...); que não acredita no aquecimento global e não percebe a vantagem da utilização das energias alternativas. Uma mulher de um fundamentalismo atávico, quer religioso, quer político, quer tudo, que defende o uso da força para a resolução dos conflitos internacionais, dos quais é fácil de ver que está a anos-luz de os entender. A última ideia brilhante nesta matéria, é a de que os EUA deveriam declarar guerra à Rússia…

Posto isto, é fácil “bater” na senadora. E bate-se muito, em português, espanhol, francês, inglês, alemão, italiano, etc. Em europeu. Mas a dúvida mantém-se: será que em americano se vai bater o suficiente? A utilização de Palin como “estrela da Companhia” nesta campanha eleitoral foi um golpe de mestre por parte dos republicanos, ao puxar pelos sentimentos mais autênticos da América profunda e ultraconservadora que, como sabemos, é demasiado extensa para ser ignorada. Enquanto McCain, que responde aos anseios de um eleitorado conservador e republicano, se preocupa, no entanto, em fazer passar a mensagem de alguma mudança em relação à política vigente(!), com Palin pretende-se garantir o voto do eleitorado mais retrógrado.

Não fosse esta uma eleição do império, mesmo que em declínio anunciado, e rir-nos-íamos de tamanhos disparates. Mas sendo-o, é assustador.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

"A Solidão" ou a sombra dos dias cinzentos...

Prémio para Melhor Filme e Melhor Realizador nos Goya, os mais importantes galardões cinematográficos espanhóis, é a história de duas mulheres, dois destinos urbanos cruzados. Adela é uma mãe solteira que decide deixar a pequena cidade de província em que vive e ir para Madrid com o seu bebé, Miguel. Na capital espanhola, Adela faz novos amigos e aluga um quarto na casa de Carlos e Inés. Mas um ataque terrorista irá despedaçar a vida de Adela. Já Antonia, a mãe de Inés tem um pequeno supermercado e vive uma vida tranquila com o companheiro e as suas três filhas. Mas no dia em que uma das filhas lhe pede dinheiro a paz familiar termina.

Segunda longa-metragem de Jaime Rosales, o filme ganhou ainda o prémio de Melhor Actor Revelação nos Goya para o actor José Luis Torrijo e foi apresentada no Festival de Cannes, na secção Un Certain Regard. (in Cartaz Público)

Gosto de Espanha e dos espanhóis, pela diversidade do território e vivacidade do carácter. Gosto da cultura, das letras e das artes. País vizinho, com tanto em comum como de diferente com o nosso, repudio a velha ideia, transmitida de geração em geração e ainda muito entrincheirada – principalmente na zona da raia… - de que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento. Mito antigo, só “justificado” por uma História de conquistas de território e de poder, feita de avanços e recuos ao longo dos tempos.

Este filme que estreia hoje por cá, poderá não ajudar a desfazer o mito. Poderá não cativar um público mainstream, quer pelo ritmo lento da acção, quer pela “demasiada” identificação com um quotidiano baço, tristonho, que não nos fará voar nem sonhar com as estrelas. Feito de micro-histórias do dia-a-dia de gente anónima, esta longa-metragem do catalão Jaime Rosales está no extremo oposto aos filmes de Almodôvar, apreciado transversalmente pelo colorido da acção, pelo exotismo, pela excentricidade da narrativa. Aqui, em A Solidão, os dramas das personagens são talvez mais reais do que em Almodôvar, mais comuns. É uma solidão feita de muitos silêncios e vivida em vários cenários, conforme as várias personagens que compõem o filme, e que nos fala da fragilidade da vida, deixando-nos uma incómoda sensação de vazio.

Porque o cinema espanhol é mais do que Almodôvar. A ver, sim, mas não num dia cinzento…

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A realidade é um lugar estranho...


Aquele querido mês de Agosto, filme de Miguel Gomes que estreou recentemente, tem muito que se lhe diga. Um pouco ao sabor dos acontecimentos, e fruto de um conjunto de circunstâncias, este filme, como um rio, tomou um curso um pouco diferente do que o que estava previamente pensado na cabeça de Miguel Gomes, de acordo com as palavras do próprio realizador, transformadas em letra de artigo publicado num dos nossos semanários. Por falta de dinheiro, o que parece ser uma constante nestas lides, este filme deixou de ser uma ficção por inteiro, para passar a iniciar-se como documentário. Escolhidas algumas terras do concelho de Arganil - penso que por nenhuma razão em especial a não ser o facto de ser uma zona que o realizador conhece desde menino -, a câmara vai registando os momentos característicos, que vivem tanto lá como aqui, no celulóide: as procissões, a caça ao javali, o jogo da malha, o Agosto dos emigrantes, as festinhas e os bailaricos, protagonistas privilegiados durante estas duas horas e meia de filme. Mas há mais. Interpretado por actores amadores e gente da própria terra, fala-nos dela na primeira pessoa. As histórias de vida, os pequenos mitos de algumas “cromos” locais, figuras criticadas e, ao mesmo tempo, enaltecidas nas memórias desta terra e que conseguimos facilmente identificar como personagens-tipo, reconhecidas noutras regiões. Momentos e personagens que pontuam um Agosto do Interior.

Único filme português presente na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, que decorreu de 15 a 25 de Maio último, este filme poderia ser entendido como um retrato de uma ruralidade kitch: uma crítica a esta realidade que, vista de fora, através dos olhos da gente da cidade, nos surge estranha e que tendemos a rejeitar. A parte de ficção, com uma historieta algo embrulhada sobre um pai demasiado agarrado à sua amargura e à filha-menina-prodígio, contribui para carregar os tons desta realidade estranha… Mas subsiste, a meu ver, um retrato de autenticidade, do Portugal profundo e de gente marcada pela interioridade. No final, um diálogo, magnífico e surreal, em que o realizador parece querer dar luz sobre o filme, ao dizer-nos qualquer coisa como “só existe aquilo que eu vivo, aquilo a que eu reconheço existência”.

domingo, 7 de setembro de 2008

“Carvalhesa”: o som da Festa



É aos saltos que um mar de gente termina cada noite da Festa do «Avante!», ao som da Carvalhesa. Uma visão contagiante, sem dúvida, de uma multidão ululante, aos pulinhos, entre risadas, copos e uma espécie de ensaio mal-amanhado de dança de roda.

A Carvalhesa é uma música de dança de roda transmontana. Recolhida na aldeia de Tuiselo, perto de Vinhais (Bragança), em 1932, por Kurt Schindler, um maestro e compositor alemão radicado nos Estados Unidos, ficou registada no livro editado pela Columbia University, em 1941, Folk Music and Poetry of Spain and Portugal. Mais tarde, em 1970, um etnólogo corso, Michel Giacometti, responsável por uma missão internacional de estudo do folclore das ilhas mediterrânicas, resolve seguir as pistas deixadas por Schindler e descobre uma outra versão da Carvalhesa nesta região de Trás-os-Montes, pressupondo-se que, tratando-se de uma música de baile, terão havido outras versões, apagadas pelo tempo.

Em 1985, o PCP adopta esta música como hino para as suas actividades, designadamente para a abertura e encerramento da Festa.

Numa festa em que a música constitui o principal atractivo para a grande maioria dos participantes, que a vêem como mais um festival onde podem assistir, por bom preço, a um conjunto diversificado de bandas e estilos para muitos gostos, a Festa do «Avante!», continua ainda a ser um acontecimento a reter, apesar da feroz concorrência de todos os outros festivais que enchem o calendário. Uma verdadeira feira, onde a música se mistura entre tendas de artesanato e quinquilharia, em que o velhinho lenço palestiniano sobrevive, malgré tout, e se “actualiza” em várias cores; em que as tendas de comida regional e internacional, de um universo comunista cada vez mais escasso, divulgam sabores esperados; em que ranchos folclóricos satisfazem os mais velhos adeptos do Partido, saudosistas de um tempo que já lá vai e que, mesmo assim, muitos deles não chegaram a viver; palcos de propaganda ideológica, naturalmente inerente ao espírito da Festa, já que, apesar da confusão existente em muitas mentes, não se trata de mais um qualquer festival. É assim, neste reino do brique-à-braque, que a Festa do «Avante!» sobrevive e se afirma, ainda e remando contra a maré. Com o esforço dedicado de muitos militantes do PCP, verdadeiros elos nesta corrente, que erguem a Festa.

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", já cantava Camões no século XVI. E é bem verdade. Sinal dos tempos e da inevitável alteração das conjunturas históricas, ditadas pelo desenvolvimento económico e pelas alterações vividas pelas sociedades modernas, a ideologia comunista e os seus partidos nacionais têm vindo a perder terreno (não obstante se lhes reconhecer a estes um papel louvável, ainda agora, como porta-voz das populações, podendo funcionar como elemento de equilíbrio e ponderação na tomada de decisão política, como "travão" do status quo). A propósito, lembro aqui o excelente documentário que a RTP passou esta semana, Comunismo – História de uma ilusão, e que tão bem ilustra o seu nascimento, apogeu e declínio. Naturalmente, como tantas outras correntes, apontando aspectos fortes e fraquezas que o caracterizaram em quase 100 anos de domínio da cena internacional. Imperdível, para melhor se perceber a História.

Resta, pois, a Festa. “São as águas de Março fechando o Verão”, cantava Elis Regina, a propósito do seu país tropical. Aqui, a Festa, com os seus contornos de rentrée. Sempre no início de Setembro. Sempre a fechar o Verão.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

As fabulosas histórias dela

Nunca tinha lido nada de Beatriz Pacheco Pereira. Dela apenas sabia ser irmã do seu irmão, o próprio, e de ser uma das fundadoras do Fantasporto, o Festival Internacional de Cinema do Porto.

As fabulosas histórias dela: contos do Porto imaginado é um livro publicado em 2003. Contos no feminino, histórias dela, ou melhor, de várias elas que parecem ter um denominador comum: a espera. Mulheres sozinhas ou mal acompanhadas que esperam ser felizes. Como tantas e tantos. Mulheres de um quotidiano num espaço do norte, supostamente imaginado, mas que reflecte o dia-a-dia deste nosso presente urbano, com os desencontros e as aspirações que pontuam as nossas vidas. Bem escrito, na medida certa, em que nos apercebemos dos sentimentos das personagens, sem que para tal Beatriz tenha recorrido a excessivos floreados de escrita, foi com prazer que li estes contos.

Há muito tempo que não recorria a uma biblioteca pública para requisitar um livro. O espírito consumista em que vivemos e a necessidade ou o hábito de possuirmos coisas faz com que nos esqueçamos que existem recursos disponíveis e de fácil acesso. Colhido um pouco ao acaso na biblioteca, foi graças a ela que, mais tarde e em casa, descobri que tinha nas mãos um livro com uma dedicatória da autora dirigida a Eduardo Prado Coelho…! Vantagens deste circuito por espaços públicos, cujas obras vivem e respiram entre tantas mãos e cumprem, assim, melhor a sua função de passa-palavra…