terça-feira, 28 de abril de 2009

O valor das ideias


O valor das ideias é um blog de Carlos Santos, Professor de Economia, e que aqui ajudo a divulgar. Em especial, o seu post contra a tortura, ou melhor, contra quem, hoje em dia, ainda defende esta prática como um meio eficaz e necessário nas sociedades modernas:Houve ontem quem louvasse o regresso da tortura a Portugal

segunda-feira, 27 de abril de 2009

É uma casa portuguesa... de certeza?!...

Palacete de D. Chica, Palmeira, Braga, Portugal
Foto: Júlio de Matos


São os lares dos torna-viagem de outros tempos. Idos, longínquos. São casas de quem saiu cheio de esperança, cheio de vontade de regressar endinheirado. E assim foi. Na transição do século XIX para o século XX, mais concretamente entre 1860-1930, portugueses nortenhos, de uma classe média rural, rumaram ao Brasil e regressaram com fortuna feita, passando a fazer parte da classe possidente local, daquela pequena franja que ditava as regras ou pelo menos influenciava a vida pública. Construíram casas apalaçadas que ostentavam o produto do seu esforço e o sorriso da sorte que lhes batera à porta. Estas "casas de brasileiro" mostravam as marcas não só da riqueza dos donos como também de gostos alheios aos nossos e quase sempre misturados, num resultado eclético que veio transformar o panorama da arquitectura nacional, a paisagem do Alto Minho e marcar definitivamente uma época.

Algumas destas casas dariam excelentes cenários para filmes, onde viveriam figuras míticas, damas e cavaleiros, monstros e outros seres que povoam o nosso imaginário. Cinquenta delas foram captadas pelo olhar de Júlio de Matos, arquitecto e fotógrafo de Braga, dando origem a uma exposição da iniciativa do Ministério da Cultura de Portugal, no contexto das “Comemorações dos 200 anos da Ida da Família Real Portuguesa para o Brasil” e patente ao público no Brasil (Museu Nacional, do Complexo Cultural da República de Brasília, no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro e no Museu de Arte da Bahia, em Salvador). Estas fotografias encontram-se também editadas em álbum fotográfico, com texto de Jorge P. Sampaio (Casas de Brasileiro, DeMatos, Braga, 2008)

sábado, 25 de abril de 2009

35 anos




Sei que está em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim

Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor no teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, que é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar


Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim


A primeira versao de "tanto mar" tinha sido censurada devido a canção ser uma saudação à Revolução de Abril de 1974 em Portugal. Foi gravada totalmente pela primeira vez num espectáculo ao vivo com a Maria Bethania, que foi passado para disco (em 1975). A segunda versão foi gravada no início de 1976 e refere-se ao Novembro de 1975 em Portugal e ao fim do período mais revolucionário que por cá se vivia.
(in: http://natura.di.uminho.pt/~jj/musica/html/buarque-tantoMar2.html)

segunda-feira, 20 de abril de 2009

O infinito pode esperar?

(imagem retirada da net)


Deu meia-volta na cama e procurou adormecer. Mais meia-volta mas o sono tardava, andava arredio, dando espaço a pensamentos mais densos. Não sabia por onde deveria cortar – ou melhor, isso até sabia, mas não lhe apetecia. Como seguir o impulso e ceder aos sentidos, se a cada esquina novo coelho saía da cartola, sempre negro, num discurso profético em que se anunciava um desfecho doloroso para uma existência já de si sofrida? Como persistir no querer quando outra tentação lhe segredava ao ouvido palavras doces com promessas cheias de sol? Mas como avançar para esse sol, envolto num algodão doce, se o impulso teimava noutra direcção e lhe punha na boca o gosto amargo que não passa, por mais algodão doce que se coma?

Veio-lhe à memória uma fidelidade em forma de soneto, com sotaque adocicado, como doce era também a sua letra:

De tudo ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento.

E esta fidelidade continuava o seu canto até que concluía:

E assim, quando mais tarde me procure / Quem sabe a morte, angústia de quem vive / Quem sabe a solidão, fim de quem ama / Eu possa me dizer do amor (que tive): / Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure.

Fez marcha a ré nos pensamentos, já que o sono assobiava ao longe de costas voltadas. Infinito não terá sido, pensou, e o olhar quase se embaciava, recordando-se de outra vida vivida. Mas também houve sol nessa outra vida.

As memórias começavam agora a aproximar-se do tempo recente; parecia que vinham a todo o vapor e serviam-lhe de bandeja outras lembranças. O futuro não acaba amanhã, sorriu-lhe esta. Desfilavam como fantasmas elegantes nesta noite sem sono. O tal que teimava em assobiar para o alto, qual miúdo travesso: se ao menos ele fizesse o que lhe competia, pensava, já não tinha que me ocupar com estes pensamentos circulares, abrigos destes fantasmas elegantes…

Ao fim de mais umas voltas o sono resignou-se e entrou, de mansinho, dando-lhe tréguas. Até ao despertar.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Pertencer

Na senda do post anterior, esta é a música que se impunha e que rima com esse texto. Contra a discriminação. Chamo a atenção para a letra, da qual aqui deixo o refrão:

O meu nome é João e vivo ao teu lado
O meu nome é Yuri do continente gelado
O meu numero é zero nesta democracia
Deixa-me pertencer, eu quero pertencer-te...

É o que faz estar muito tempo sem escrevinhar: o pensamento retarda-se e teima em pastar na nebulosa da "branca maldita"! :):)

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Entrevista


Desligou o telefone com um suspiro. Seria desta?

Ao abrir a porta percebeu imediatamente que era. Na sua frente, uma mulher com cara simpática, afável, cabelo curto e lenço ao pescoço, preso com um alfinete em forma de flor. Formas quase redondas, a tender para o cheio, ar lavado e engomado. Sorriso franco.

Há oito anos que vinha do Leste. Ia e vinha, entre as saudades da terra e dos filhos e a necessidade de trabalho. Caminhava para cá, deixando no pensamento um rasto de saudade e preocupação, presos numa cidade distante de um país gelado, à direita no mapa.

Enrolava as palavras lusas e fazia um esforço por dar forma às ideias e ao que precisava de dizer. Do sorriso aberto espreitava um dente de ouro, fora de moda no lado de cá da Europa, mas que talvez falasse sobre um modo de vida de alguma forma parado no tempo. Ou pelo menos, no nosso tempo…

Limpava, engomava, e lá ia e vinha, num circuito sempre igual, ritmado e seguro, que inspirava confiança. Ia e vinha até um dia, em que anunciou a ida para tratar da mãe, doente e gasta, que esperava em silêncio do lado de lá, à direita no mapa.

Prometeu deixar outra em seu lugar – possivelmente parecida, vinda do mesmo sítio e viajante no mesmo percurso e com o mesmo destino.

Desligou o telefone com outro suspiro. Seria desta?...