terça-feira, 29 de abril de 2008

Alive and kicking...

Hey Mr. Clinton, I'm bushed!, graceja Keith Richards momentos antes de entrar em palco, para um concerto com plateia VIP, entre a qual Clinton e convidados, que teve lugar no Outono de 2006 no Beacon Theatre de Nova Iorque. Foi neste espaço, pequeno e intimista, que Martin Scorsese filmou Shine a Light, o documentário sobre os Rolling Stones, que estreará nas nossas salas no próximo dia 8 de Maio.

Mick Jagger, Keith Richards, Ron Wood e Charlie Watts. Estes rostos que mais parecem saídos de um filme de terror (Keith Richards apresenta mesmo estranhas parecenças com a bruxa má da Branca de Neve...), mas ligados a corpos teimosamente vivos, com o rock nas veias. Um Mick Jagger de 64 anos, absolutamente frenético, aeróbico, dono e senhor do palco e de uma plateia rendida ao mestre que, ao longo de 40 anos de carreira, conseguiu ser transversal e unir gerações.

Sendo o terceiro documentário sobre músicos que vi ultimamente (o primeiro sobre Dylan e o segundo sobre os Joy Division), este filme não ficará na memória, sob o ponto de vista cinematográfico. Scorsese optou por quase exclusivamente filmar o concerto dos Stones, com breves incursões no passado, pequenos apontamentos que, a meu ver, tinham como objectivo demonstrar como a banda permanece com o mesmo ritmo de sempre. O antes e o agora: igual. Aliás, é essa a ideia central do filme: demonstrar a imortalidade da banda. Em entrevista publicada na Blitz (Abril 2008, nº 22), à pergunta Tem medo do dia em que já não saltar pelo palco, quando já não tiver essa energia?, Mick Jagger responde Claro, mas isso ainda não aconteceu. Não olho para as nuvens de amanhã através do sol de hoje. Ou, como muito bem apreendido no artigo da Time (April 14, 2008) Shine a Light is a tribute to the glamour of survival.

Porque a idade é uma questão de atitude.


sexta-feira, 25 de abril de 2008

Abril

Não vou escrever sobre o 25 de Abril;
nem contar como tudo se passou;
nem tecer considerações sobre as várias realidades que lhe sucederam;
nem sobre as tentativas de retorno;
nem sobre as vitórias ou fracassos de uma democracia no berço;
nem sobre as desilusões;
nem sobre as alegrias.

Não vou escrever sobre as portas que Abril abriu (para lembrar Ary dos Santos...), apesar de terem sido muitas.

Muito melhor do que eu alguém certamente já o fez.

Muito de tudo isto está documentado e ao dispôr de quem queira consultar, de quem tenha interesse.

Vou apenas dar os PARABÉNS!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Cultura ou não, eis a questão...


Pergunta - Se tivesse que escolher entre um livro e um bom vinho, qual escolheria?
Resposta - A questão que me está a colocar é extremamente cruel. Por que é que quer que eu recuse uma garrafa de um bom vinho por um livro, e por que é que quer que eu recuse um livro por uma garrafa de um bom vinho? Não, eu não recuso nada: fico com os dois.


Era este o início da entrevista de Carlos Vaz Marques a Bernard Pivot. Ontem, na TSF, em Pessoal e transmissível, pouco depois das sete da tarde.

Pivot, 73 anos, conhecido jornalista cultural da televisão francesa. Tornou-se célebre por falar de livros em televisão, em vários programas literários no canal France 2, como Ouvrez les Guillemets, Apostrophes e, o mais famoso de todos, Bouillon de Culture. Nas noites de sexta-feira, cerca de 1 milhão de telespectadores assistiam ao seu programa, tendo entrevistado, em 28 anos de carreira, mais de 6 000 personalidades, de entre as quais Vladimir Nabokov, Charles Bukowski, Marguerite Duras, Alexander Soljenitsin, Marguerite Yourcenar, Lévi-Strauss, Jorge Amado, Jô Soares, Paulo Coelho, Hélder Câmara, Chico Buarque e o fotógrafo Sebastião Salgado.
A conversa transmitida ontem, centrada no tema do vinho (Bernard Pivot lançou recentemente o Dicionário Sentimental do Vinho, editado pela Casa das Letras), focava também outros domínios, como o da literatura. Ambos temas caros da cultura francesa.

O vinho é cultura. Cultura da vinha mas também cultura do espírito. É esta dimensão cultural de um produto de consumo universal que este livro tem a ambição de evocar. Nada ultrapassa o pão e o vinho na memória mítica e alimentar do homem. Os dois estão unidos no trabalho e no repouso, no esforço e no prazer, e sobre a mesa da refeição originária do milagre cristão. O vinho é uma recompensa e um interdito. (in: sinopse do livro, da responsabilidade da Casa das Letras)

Subjacente a esta convicção de que um bom vinho não é um produto menor, quando comparado com a literatura ou outro bem cultural, reside o facto de a cultura do vinho continuar a ser um dos traços mais fortes da identidade cultural francesa. Ambos emblemáticos, fruto de um país que acarinha a sua memória, esteja ela gravada a tinta sobre papel ou engarrafada e servida à mesa.

E para terminar, deixo uma reflexão: o que é para si cultura? Quais os bens mais emblemáticos da cultura portuguesa, dignos de referência?

domingo, 20 de abril de 2008

Vozes do Desassossego...

É oficial: ando em maré de filmes estranhos.

Filme psicadélico, de uma estética contemporânea e arrojada, I'm not there é, sem dúvida, uma abordagem muito própria de uma biografia diferente e fragmentada do grande ícone do rock americano, utilizando técnicas não-convencionais e "colando-se", assim, ao estilo de compor de Dylan.

Cate Blanchett, Richard Gere, Heath Ledger, Christian Bale, Ben Whishaw e Marcus Carl Franklin são os seis rostos de Bob Dylan, seis rostos diferentes, espaços, tempos e registos diferenciados que encarnam as várias "vidas" do compositor-cantor, vozes do inconformismo, fazendo eco das convulsões sociais desse país. Dois tempos distintos e igualmente marcantes na história americana: os anos 60-70, anos de Dylan, anos da revolução das mentalidades, e os anos da conquista americana do Oeste e dos pioneiros, do caminho de ferro, de Billy the Kid. Cada uma destas personagens revela uma das facetas de Dylan, pública ou privada, fazendo também uma viagem pelas várias "Américas" - a conservadora e rural, a dos anos 50, do racismo e dos blues, a América dos hippies e do rock. Das "canções de apontar o dedo" até outras notas, todas elas expressivas dos seus sentimentos de alma; todas elas com um pendor de crítica social e política, independentemente do tom, mais tradicional ou mais ousado, dos seus acordes - nem sempre bem aceite pelos seus fãns.

De registar a participação ainda de Julianne Moore e Charlotte Gainsbourg. E, last but not least, de uma banda sonora fabulosa!

terça-feira, 15 de abril de 2008

Efabulações sobre o Tempo...


Uma Segunda Juventude(Youth Without Youth)

Dominic Matei é um professor de linguística com 70 anos. Fulminado por um relâmpago, sobrevive miraculosamente. No hospital, enquanto recupera, os médicos assistem com incredibilidade ao rejuvenescimento físico do professor. O rejuvenescimento físico é acompanhado por um desenvolvimento intelectual inexplicável que chama a atenção de cientistas nazis, obrigando o professor a exilar-se. Em fuga, Dominic reencontra Laura, o amor da sua vida, e luta para terminar a sua tese sobre as origens da linguagem humana. Mas quando a sua pesquisa põe em perigo Laura, Dominic é forçado a fazer uma escolha entre o trabalho de uma vida e o seu grande amor.
(Cartaz Público)

Após dez anos de interregno, Coppola regressa num registo completamente diferente do habitual. Adaptado de um romance do historiador romeno Mircea Eliade (1907-1986), que se dedicou ao estudo das religiões, Coppola explora neste filme a noção de Tempo e de dupla personalidade; o Tempo e o início das línguas, também esse início, a meu ver, explorado como marco temporal, como o princípio de tudo. Os vários espaços do filme são também espaços míticos no imaginário ocidental: a II Guerra Mundial como palco da primeira metade da história narrada; a Índia, com toda a carga evidente de misticismo e religiosidade; Malta, a ilha do Mediterrâneo (não podia cá faltar a alusão ao Mediterrâneo...), também ela carregando o peso do simbólico berço da civilização ocidental e alguma carga religiosa associada a este espaço. Por fim, o ciclo fecha-se com o retorno do protagonista à sua terra natal, a Roménia, mais concretamente à praça onde vivia, trabalhava e tertuliava. Espaço aparentemente fechado contrastando com uma viagem tão alargada quanto a navegação pela História.

Filme estranho este, esotérico, até. Na segunda parte - e porque dá a sensação de que existem dois tempos distintos neste filme -, a narrativa aligeira-se, retoma referências mais fáceis e mais comuns para o espectador, e perde os tons negros e carregados da primeira metade. É uma dissertação filosófica, tendo como suporte um homem que busca o início de tudo e uma mulher que reencarnou outras. Estranho, mas recomendável.

sábado, 12 de abril de 2008

Quem salva as Feiras do Livro?


Até há uns anos, as feiras do livro desempenhavam um papel de relevo na vida cultural das nossas cidades, divulgando novas obras publicadas e constituindo uma oportunidade para quem pretendia comprar livros a preços mais baixos. Ansiava-se pela feira e ela era um acontecimento.
Hoje em dia, contudo, a situação é bem diferente. Existem mais pontos de venda, não se confinando o sector somente às tradicionais livrarias. As grandes superfícies comem a fatia de leão das vendas, onde os best-sellers são reis e o espectro literário pouco alargado, o que pouco importa ao consumidor médio desde que possa comprar o último grito das letras, anunciado no écran lá de casa, ou mais um exemplar de um qualquer "como ser feliz sem esforço". Por outro lado, e apesar de um crescimento moderado do sector editorial, (dados do início deste ano apontam para um volume de vendas na ordem dos 500 milhões de euros em 2007 em Portugal, conforme noticiado pelo Diário de Notícias), a verdade é que o mercado do livro continua em crise, como é do conhecimento geral. Os motivos para esta situação são de ordem social, económica e cultural: o amadurecimento do mercado, o baixo índice de leitura e as crescentes alternativas ao livro como fonte de lazer e de entretenimento, como é o caso da Internet e seus "derivados", são factores determinantes para o baixo consumo deste produto.

Mas voltemos às feiras. Apesar deste cenário que lhes retira protagonismo elas sobrevivem. E ainda bem, diremos em coro. No entanto, a continuarem nos mesmos moldes, anuncia-se a sua morte. Os livros, velhos ou novos, para ali ficam como que esquecidos, quais monos do passado, em barraquinhas muitas vezes iguais às suas avós de há 40 anos, por onde entra o frio ou o calor e em que alguém, por detrás do balcão, com ar mais ou menos infeliz, aguarda, resignado, pelo final da noite. Não se compreende porque é que não se aposta mais na dinamização destes eventos, criando condições agradáveis para quem lá trabalha, os livreiros, e para quem as visita. Criando, por exemplo, mais sessões culturais, como momentos de poesia e debate. E, fundamentalmente, criando espaços lúdicos e de animação, com a actuação de músicos e outros artistas, chamando pequenos grupos de teatro, animadores, eu sei lá!, que atrairiam, inevitavelmente, mais público às feiras.

Na Feira do Livro de Braga que amanhã termina, morre-se de frio e os poucos aquecedores lá instalados estão exclusivamente dedicados ao espaço das tertúlias (assim baptizado, pensado para receber convidados), em total desconsideração por quem lá trabalha e para com o público. Quanto a animação, é praticamente inexistente. Já nos anos anteriores Lisboa e Porto primaram também por uma fraquíssima programação de animação nas respectivas feiras.

Organizar este tipo de eventos não se resume a distribuir stands de livreiros; pressupõe também uma dinâmica maior: a promoção de um evento cultural, mais abrangente e que cative o público a visitar estes espaços.

Feiras do Livro: quem as quer ainda salvar?...

quarta-feira, 9 de abril de 2008

A incontinência dos céus...

Que me perdoem os crentes, devotos, beatos, mas num país de clima temperado, em que as águas vindas de cima não favorecem por aí além a moda dos guarda-chuvas, há três dias que S. Pedro, certamente de birra, decidiu presentear-nos com uma convincente amostra do dilúvio, em que nós, quais bichinhos de Noé, chapinhamos, ensopamo-nos, afogamo-nos nesta sua incontinência que parece não ter fim.

E porque nem só de assuntos sérios e pertinentes vivem as crónicas, mas também destes piquenos nadas do quotidiano, que nos orientam os passos e ditam os dias, aqui fica este meu desabafo.

P.S.: Quem passou por aqui e lamentou o tempo perdido, resta-me dar-lhe um conselho: tal como acontece com o tempo, há que acreditar que melhores dias virão... :)

domingo, 6 de abril de 2008

Em todas as ruas te encontro...


Na Feira do Livro de Braga está, entre outros, este poema de Mário Cesariny. Fez-me lembrar o quanto gosto dele e de como é um dos poemas da minha vida:

Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

terça-feira, 1 de abril de 2008

De Tua a Mirandela


A linha do Tua, cuja construção teve início em 1885 e só se concluiu em 1906, corre o risco de encerrar. A linha original, de Tua a Bragança, foi mais tarde encurtada restando apenas 54 km, de Tua a Mirandela. Ao longo de duas horas, esta é uma das mais belas paisagens que se podem usufruir numa viagem de comboio por terras portuguesas. Infelizmente, a construção de uma barragem ameaça destruí-la e ameaça, também, empobrecer um pouco mais aquela região, retirando-lhe um dos seus grandes trunfos turísticos. Será que não existe alternativa para a construção da barragem?
Para mais informação ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui