É este o título curioso e bem arquitectado, num trocadilho feliz, da nova exposição do Museu Berardo, no CCB, que pretende renovar anualmente a sua exposição permanente, de acordo com o que tenho lido a este respeito.
Apresentada como um percurso da figuração na pintura dos últimos cinquenta anos, esta exposição contempla obras de diversos autores. Mas foram as telas de Paula Rego, Noronha da Costa e Julião Sarmento as que mais me cativaram, por uma empatia estética. A pintura figurativa, influenciada pela fotografia, o cinema ou o multimédia, pretende reter imagens do real, sendo que os "transforma", interpretando-o, numa óptica mais próxima do sentimento do que da visão nua e crua. Assim, e voltando ao meu sentir sobre Paula Rego, por exemplo, as criaturas que figuram nas suas telas falam-nos de lendas e contos mas, pela força da sua própria realidade, ganham vida própria, impõem-se-nos, e não se limitam tão somente a ilustrar a narrativa que lhes serviu de berço. Numa imagem que vem a propósito, este pequeno excerto de Henry Miller (in Trópico de Capricórnio, 1939) que, e em sintonia com o Comissário da Exposição Eric Corne, retirei do folheto de divulgação da mesma:
Já não olho nos olhos da mulher que tenho nos meus braços, mas atravesso-os a nado, cabeça, braço e perna inteira, e vejo que por detrás das órbitas do seus olhos se estende um mundo inexplorado, mundo de coisas futuras.
De salientar a presença de pintores de paragens mais distantes, como é o caso do filipino Manuel Ocampo ou do sul-africano William Kentridge, a que, normalmente, dificilmente temos acesso.
Apesar de toda a polémica gerada em torno de Berardo (muitas vezes mais pela provocação da sua própria figura, tão mal-aceite nos meios intelectuais), e sem querer tomar partido pois, para isso, é necessário estar por dentro da política cultural e dos meandros do negócio, reconheço-lhe que trouxe uma vantagem para o público em geral: o livre acesso contribui para alguma democratização da arte, bem como uma rotatividade francamente apreciável das obras expostas. Faz-nos falta um museu de grande projecção, que não temos, como um Guggenheim, um Prado ou um Moma. Bem sei que a dimensão é diferente da dos países onde esses estão instalados, mas seria uma âncora que atrairia visitantes, turistas e consumidores de produtos culturais e que, consequentemente, imprimiria à cidade - ou ao País - uma dinâmica mais cosmopolita.
5 comentários:
Lb,
Nem mais. É o caso de Bilbao, por exemplo: se não fosse o Guggenheim, que canaliza milhares de visitantes, essa cidade passaria despercebida. Assim não! Por isso não podemos pensar que isto só se aplica às grandes cidades metropolitanas, europeias ou outras, e que nós nunca teríamos hipótese de concorrer no mesmo plano, por uma questão de dimensão ou projecção.
Lembro que Isabel Pires de Lima foi muito criticada pelo facto de ter pretendido trazer para cá um Hermitage. Houve mesmo algumas almas bem pensantes que a acusaram de megalómana.
Quanto à exposição, não vou perder.
Carlos,
Velhos do Restelo haverá sempre. E é claro que se devem pesar os prós e os contras destes projectos e aferir das prioridades. Mas penso que determinados investimentos, mesmo que à partida nos pareçam excessivos, podem revelar-se pólos de desenvolvimento para tudo o resto. E não devem ser encarados isoladamente, dissociados do todo.
... embora esteja muito mais de acordo com os critérios da agenda de Serralves no que às artes plásticas se refere e que, embora com entrada paga (excepção dos domingos) capitaliza mais visitantes que o CCB, não deixo de aplaudir a entrada livre na mostra do "Museu Berardo".
Também as artes plásticas em Portugal, não estão imunes aos problemas que a economia portuguesa atravessa. Trazer as grandes exposições que percorrem o mundo é caro e são elas que enchem os grandes espaços exposicionais. A Tate, o Momma, os Guggenheim´s ou a Reina Sofia, não se sobreviveriam apenas à sombra das suas "permanentes".
Legivel,
Concordo. Mas quando se construiu o CCB, por exemplo, muitas vozes se levantaram acusando-o de construção megalómana, entre outros mimos. O que aparentemente não é de todo prioritário por vezes pode revelar-se como um investimento de futuro.
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