sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Memórias de infância

Foto de José Neves

Maria olhou a miniatura de lata amarela. A tampa da arca aberta e ao lado o saco cheio de outras miudezas, prontas a seguirem viagem até ao contentor do lixo mais próximo. Agarrou o pequeno brinquedo, mexeu, mirou e remirou. Sorriu um sorriso calmo e morno e viajou numa memória perdida. Aquela miniatura lembrou-lhe as vezes em que, puxada pela mão da mãe, caminhava apressada, passos atabalhoados, pernas curtas de criança, aos tropeções, “depressa”, diziam-lhe, “não podemos perdê-lo”, e dava por si quase atirada para dentro, entalada entre um sobretudo e um vestido de lã. Sentia o carro deslizar a uma velocidade estonteante, e ia experimentando o prazer dessa pequena vertigem, deliciada. Mais tarde, a sensação amadureceu, a vida encheu-se de outros afazeres e o tempo corria veloz demais para a velocidade deste carro. Agora o prazer já era outro, ditado pelo charme da pequena carruagem. Deixou de ser escolha para pressas e foi usada para momentos em que o relógio vivia devagar. Mais tarde, ainda, abandonou por completo estes passeios, embarcou noutros, até ao momento presente, em que a viagem se fez de novo, através dos carris da memória. E quase jurava que voltou a sentir o aconchego do sobretudo e do vestido de lã.