Olhou distraidamente em direcção à moldura grande que se encostava preguiçosamente contra a parede e voltou a olhar, agora com outros olhos, um pouco mais focados na imagem da mulher jovem que habitava a moldura. Habitava-a num ambiente em tons sépia, segurava um Chanel Nº 5 e, numa atitude coquete, sugeria uma sensualidade, ajudada por mil e um pormenores liderados por uma alça descaída. O glamour e a sensualidade andavam de mãos dadas nesta imagem; nesta imagem e em todas as outras, por demais conhecidas e que desde sempre passaram sob os olhos de todos, anunciadas com um rótulo, sempre o mesmo, o do desejo e o da crítica.
Nunca teve nenhuma predilecção por esta jovem mulher, reconhece. Possivelmente porque ela lhe chegou já datada, fora da sua época… E possivelmente também porque o rótulo que lhe colaram não coubesse na galeria daquilo que tinha por certo admirar. Por isso, a estranheza desta presença agora, tão próxima, partilhando um espaço destinado ao sono e ao sonho. Talvez porque os tons sépia do ambiente em que a jovem mulher retratada, aprisionada nesta moldura, vivia, rimassem com os tons do cortinado que quase lhe sussurrava confidências, de tão próximo que estava. Sim, só pode, confirmou para si própria sem se envergonhar.
Voltou a olhar na direcção da mesma e fixou-se nos caracóis dourados, transformados num indefinido branco luminoso por conta dos tons sépia dominantes no tal ambiente em que vivia a mulher jovem. Eram de algodão, pensou, e quase se sente a macieza do toque. Voltou-se para o outro lado, entreteve-se com outros pormenores que nada tinham a ver com esta história, mas o seu olhar voltou a pousar sobre esta superfície em tons sépia e no jogo de sombras que envolviam esta mulher jovem. Agora era a voz que, por certo, lhe sairia pequena, num sopro. Voltava a olhar em direcção a tudo o que se estava a passar dentro daquela moldura e sentia como se estivesse numa sala de espectáculo, momentos antes do início de um concerto, em que todos os instrumentos falam por si, num diálogo de costas voltadas, numa afinação com um objectivo comum. Também aqui se adivinhava um objectivo comum, um som comum, apesar da algazarra de vozes que, surdas, se escutavam através de um olhar em direcção à moldura grande em tons sépia.
Decidiu que era tarde e apagou a luz. Tentou pôr um ponto final ao cobrir de negro os tons sépia onde vivia aquela personagem que sempre lhe fora tão estranha. Apesar do negro, continuou a ouvir as vozes que saíam desta moldura e que contavam histórias. Vozes de um passado, todas em tons sépia...
9 comentários:
Paula
impressionantes os tons sépia, tão impressionantes que requerem uma especial atenção, permitindo, não facilmente, o sonho, e como é bom sonhar...
:-)
LB,
É uma tonalidade apropriada, não lhe parece?!... ;)
Agradecida... :)
Bjo
Flip,
Inspiradores do sonho estes tons, Flip?... Possivelmente ;)
"diálogos de costas voltadas" :) .. gostei muito Paula. Consegues, ao escrever, colocar-me right there!
Bjs
Once,
:):)
Bjs
Imagens que ficam ainda mais sedutoras quando lhes damos uma nuance de outros tempos... como as palavras que saíem da tua escrita.
Paula,
fantástico!
gostei muito da crónica. gosto de crónicas.
(não sei se lhe posso chamar assim)
mas é assim que vejo este belíssimo texto em tons sépia e glamour ...)
belo momento.este. parabéns.
boa semana
um abraço e o meu sorriso :)
mariam
Paulofski,
Agradecida... :)
O tom sépia ajuda sempre... ;);)
Mariam,
Agradeço o comentário e, claro, o sorriso! :)
Bjs
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