sábado, 12 de abril de 2008

Quem salva as Feiras do Livro?


Até há uns anos, as feiras do livro desempenhavam um papel de relevo na vida cultural das nossas cidades, divulgando novas obras publicadas e constituindo uma oportunidade para quem pretendia comprar livros a preços mais baixos. Ansiava-se pela feira e ela era um acontecimento.
Hoje em dia, contudo, a situação é bem diferente. Existem mais pontos de venda, não se confinando o sector somente às tradicionais livrarias. As grandes superfícies comem a fatia de leão das vendas, onde os best-sellers são reis e o espectro literário pouco alargado, o que pouco importa ao consumidor médio desde que possa comprar o último grito das letras, anunciado no écran lá de casa, ou mais um exemplar de um qualquer "como ser feliz sem esforço". Por outro lado, e apesar de um crescimento moderado do sector editorial, (dados do início deste ano apontam para um volume de vendas na ordem dos 500 milhões de euros em 2007 em Portugal, conforme noticiado pelo Diário de Notícias), a verdade é que o mercado do livro continua em crise, como é do conhecimento geral. Os motivos para esta situação são de ordem social, económica e cultural: o amadurecimento do mercado, o baixo índice de leitura e as crescentes alternativas ao livro como fonte de lazer e de entretenimento, como é o caso da Internet e seus "derivados", são factores determinantes para o baixo consumo deste produto.

Mas voltemos às feiras. Apesar deste cenário que lhes retira protagonismo elas sobrevivem. E ainda bem, diremos em coro. No entanto, a continuarem nos mesmos moldes, anuncia-se a sua morte. Os livros, velhos ou novos, para ali ficam como que esquecidos, quais monos do passado, em barraquinhas muitas vezes iguais às suas avós de há 40 anos, por onde entra o frio ou o calor e em que alguém, por detrás do balcão, com ar mais ou menos infeliz, aguarda, resignado, pelo final da noite. Não se compreende porque é que não se aposta mais na dinamização destes eventos, criando condições agradáveis para quem lá trabalha, os livreiros, e para quem as visita. Criando, por exemplo, mais sessões culturais, como momentos de poesia e debate. E, fundamentalmente, criando espaços lúdicos e de animação, com a actuação de músicos e outros artistas, chamando pequenos grupos de teatro, animadores, eu sei lá!, que atrairiam, inevitavelmente, mais público às feiras.

Na Feira do Livro de Braga que amanhã termina, morre-se de frio e os poucos aquecedores lá instalados estão exclusivamente dedicados ao espaço das tertúlias (assim baptizado, pensado para receber convidados), em total desconsideração por quem lá trabalha e para com o público. Quanto a animação, é praticamente inexistente. Já nos anos anteriores Lisboa e Porto primaram também por uma fraquíssima programação de animação nas respectivas feiras.

Organizar este tipo de eventos não se resume a distribuir stands de livreiros; pressupõe também uma dinâmica maior: a promoção de um evento cultural, mais abrangente e que cative o público a visitar estes espaços.

Feiras do Livro: quem as quer ainda salvar?...

20 comentários:

Ka disse...

Gostei muito deste texto pois ilustra exactamente o que penso. Apesar das FNAC'S e Bertrand's, locais onde de facto temos as obras todas concentradas e acom descontos apelativos, a verdade é que as feiras do Livro não têm necessariamente um fim anunciado. Só o têm pela sua inércia e falta de vontade em dinamizar.
Eu sempre gostei de feiras do livro, do ambiente que as rodeava, o ir lá vários dias, namorando alguns livros até eleger os que comprava no final...então quando era na Rotunda da Boavista no Porto, debaixo das àrvores, passar o fim da tarde por lá era uma verdadeira delícia. Depos mudou para o Pavilhão Rosa Mota local que eu nunca associei a um ambiente de feira do Livro, e começou a ficar despersonalizada. A cara das pessoas também se foi entristecendo e de facto o seu ar aborrecido só desmotiva qualquer possibilidade de compra...e as pessoas vão-se afastanto...

beijos e bom fim-de-semana

Luis Eme disse...

é isso mesmo, Paula...

mas eles ainda não perceberam...

Anónimo disse...

Eu era frequentador assíduo da feira do livro de Lisboa. Esperava por ela e era um verdadeiro prazer lá ir, saber quais os livros do dia da feira, apreciar, folheá-los, comprá-los (os que podia...). De há uns anos para cá, tenho ido mas mais por obrigação, e em especial porque faço questão que as minhas lá continuem a ir. É que os livros que são expostos, salvo algumas excepções (que sempre confirma regras) são autêntico refugo! Parece que se faz questão de levar para a feira o que não se conseguiu vender, na esperança que um desconto de 10% faça sair os monos.
E penso que esse deverá ser o grande problema.

Beijinho

José Pires F. disse...

Como se isso não bastasse, assistimos agora a uma guerra entre a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e a União dos Editores Portugueses, que pode por em causa a realização da próxima Feira do Livro de Lisboa.

Confesso que, já só lá vou por tradição, porque a falta de condições que o próprio modelo da Feira impõe, e que precisa ser renovado por não ser de forma alguma convidativo, é o seu pior inimigo. Nem os empregados se sentem bem (esperam a hora de fechar, como também referes), nem o leitor.

Mas enfim… tudo o que tem a ver com cultura, é neste país, muito complicado.

Abraço.

Luís Galego disse...

em barraquinhas muitas vezes iguais às suas avós de há 40 anos

precisamente. A questão é que as industrias da cultura ainda não são levadas a sério, ou muito a sério. E então são projectos de segunda. Talvez tenhamos que projectar feiras do livro em estádios de futebol para ver se resulta...

Leonor disse...

tens toda a razão, Paula. continuo a ir à feira do livro de lisboa, mais por tradição do que por devoção.

De resto, qualquer dia, e tirando um ocasional livro do dia, ou livro de um autor que se encontre a autografar, vou cada vez mais pelas edições antigas, já que tn tenho a sensação que as editoras vão lá pôr o refugo.
faz tempo e tenho pena, de que esperava com ansiedade a abertura da feira, ia várias vezes, comprava muito lá e vinha com satisfação abrir os livros para casa...

paulofski disse...

Aqueles que pensam nas feiras de livros deveriam pensar nas formas de atrair o público, não só o alvo mas todo, para dinamizar o produto de venda, criando condições de conforto, entretenimento e outras ofertas culturais. Os espaços ao ar livre e de passagem de pessoas são os mais adequados a este tipo de eventos. A datação deveria ser associada às melhor época climática e nunca esquecer a publicidade.

Beijo

Paula Crespo disse...

Ka,
A localização das mesmas é sempre um factor muito influenciador. Nunca conheci a Feira na Rotunda da Boavista, só no Pavilhão; poderá não ser o sítio ideal, até porque aquela tenda lá montada, quando faz calor é uma estufa, mas, apesar de tudo, tem os seus espaços envolventes, os jardins, que são muito bonitos, principalmente com bom tempo.
Há que pensar as feiras como projectos globais, de facto, e dinamizá-los.
bjs

Paula Crespo disse...

Luis Eme,
Perceberam, só que não investem...

Paula Crespo disse...

lgb,
Essa também é uma questão fundamental, a da idade dos livros, e eu concordo. Sempre pensei isso mesmo, que os livreiros carregam para a feira os monos indesejáveis o que não estimula os compradores.
Bom fim-de-semana!

Paula Crespo disse...

Piresf,
Pois, as disputas, como referes, entre as duas associações não beneficiam em nada as feiras do livro...
Boa semana!

Paula Crespo disse...

Luís,
Em estádios de futebol não digo (hehe!!), mas concordo que têm sido tratadas como projectos de 2ª (ou 5ª, mesmo).
Bjs

Paula Crespo disse...

Leonor,
Nem mais. Esse entusiasmo que referes, e que era partilhado um pouco por toda a gente, tem vindo a esmorecer. É a diferença entre serem um acontecimento, aguardado com alguma ansiedade, e o serem mais um ponto de venda, com ar mal-amanhado.
Boa semana!

Paula Crespo disse...

Paulofski,
O marketing ajuda muito nestas situações e as feiras são um produto como outro qualquer. E quando falo em marketing não quero dizer apenas publicidade à feira em si, mas, e sobretudo, criar polos de interesse, para além da venda dos livros, que pudessem atraír mais gente. São espaços culturais por excelência e que merecem ser dinamizados e tratados como tal.
Boa semana!

Jorge P. Guedes disse...

Uma reflexão muito oportuna!

Na realidade, nas actuais feiras, vendem-se livros como quem vende farturas.A dignificação destes eventos poderia e deveria ser feita, através da sua realização em espaços fechados, de entrada livre, e com diversa animação.
estou. pois, de acordo com o exposto neste bem produzido texto.

Um abraço e boa semana.
Jorge P.G.

Capitão-Mor disse...

Eu questiono...o que não está em crise no nosso país?
Desejo-te uma boa semana!

Paula Crespo disse...

Jorge,
Concordo, claro. Mas eu penso que existem boas condições, físicas, para realizar animação. Mas a que há é pouca e, muitas vezes, sem garra, sem brilho, não é suficientemente apelativa.
Boa semana!

Paula Crespo disse...

Capitão,
Bom, eu não gostaria de ser assim tão, tão pessimista, mas há muita coisa. Eu penso que tudo vai dar ao mesmo: falta de organização e empenho suficiente. Pode aplicar-se a esta questão como a todas as outras. O que eu acho, também, é que de nada adianta ficarmo-nos pelas lamentações e pelos dedinhos apontados; só a crítica construtiva é válida e pode mudar alguma coisa. E discutir as questões e dar sugestões pertinentes, também.
Boa semana!

JOSÉ FANHA disse...

Caríssima Paula,

O que se passa com os livros e com as editoras é mesmo preocupante.

Andam a apostar nos best-sellers e vão começar a perceber (ou já estão) que em tempos de crise os primeiros a ir abaixo são justamente os best-sellers.

As editoras (como os hospitais, os bancos e, qualquer dia, as escolas) são cada vez mais geridas
por gente que não distingue um livro de uma chave de parafusos. Estes gestores são muito incompetentes e nem sequer sabem gerir a sério um negócio muito especial.

Também por isto, continuamos na cauda da europa da leitura.

Precisamos muito de quem nos dê a mão e nos ajude a descobrir a maravilha de um livro de Tolstoi ou Steinbeck, de Mário de Carvalho ou de manuel da Fonseca.

Precisamos de gente viciada e goste de passar o vício. Gente que nos ajude a descobrir pérolas no meio da confusão das bancadas nas feiras do livro.

Um beijo,

José Fanha

Paula Crespo disse...

José Fanha,
E foi com satisfação que o vi por cá. José Fanha?? Sim, o próprio.
Quanto à questão que levanta, parece-me que é, uma vez mais, um problema de lucro. E também de público, convenhamos, pois se o público não for exigente, é mais fácil que a bitola seja o lucro e não o conteúdo da obra.
Obrigada pela sua visita e volte sempre!
Bjs