terça-feira, 22 de abril de 2008

Cultura ou não, eis a questão...


Pergunta - Se tivesse que escolher entre um livro e um bom vinho, qual escolheria?
Resposta - A questão que me está a colocar é extremamente cruel. Por que é que quer que eu recuse uma garrafa de um bom vinho por um livro, e por que é que quer que eu recuse um livro por uma garrafa de um bom vinho? Não, eu não recuso nada: fico com os dois.


Era este o início da entrevista de Carlos Vaz Marques a Bernard Pivot. Ontem, na TSF, em Pessoal e transmissível, pouco depois das sete da tarde.

Pivot, 73 anos, conhecido jornalista cultural da televisão francesa. Tornou-se célebre por falar de livros em televisão, em vários programas literários no canal France 2, como Ouvrez les Guillemets, Apostrophes e, o mais famoso de todos, Bouillon de Culture. Nas noites de sexta-feira, cerca de 1 milhão de telespectadores assistiam ao seu programa, tendo entrevistado, em 28 anos de carreira, mais de 6 000 personalidades, de entre as quais Vladimir Nabokov, Charles Bukowski, Marguerite Duras, Alexander Soljenitsin, Marguerite Yourcenar, Lévi-Strauss, Jorge Amado, Jô Soares, Paulo Coelho, Hélder Câmara, Chico Buarque e o fotógrafo Sebastião Salgado.
A conversa transmitida ontem, centrada no tema do vinho (Bernard Pivot lançou recentemente o Dicionário Sentimental do Vinho, editado pela Casa das Letras), focava também outros domínios, como o da literatura. Ambos temas caros da cultura francesa.

O vinho é cultura. Cultura da vinha mas também cultura do espírito. É esta dimensão cultural de um produto de consumo universal que este livro tem a ambição de evocar. Nada ultrapassa o pão e o vinho na memória mítica e alimentar do homem. Os dois estão unidos no trabalho e no repouso, no esforço e no prazer, e sobre a mesa da refeição originária do milagre cristão. O vinho é uma recompensa e um interdito. (in: sinopse do livro, da responsabilidade da Casa das Letras)

Subjacente a esta convicção de que um bom vinho não é um produto menor, quando comparado com a literatura ou outro bem cultural, reside o facto de a cultura do vinho continuar a ser um dos traços mais fortes da identidade cultural francesa. Ambos emblemáticos, fruto de um país que acarinha a sua memória, esteja ela gravada a tinta sobre papel ou engarrafada e servida à mesa.

E para terminar, deixo uma reflexão: o que é para si cultura? Quais os bens mais emblemáticos da cultura portuguesa, dignos de referência?

8 comentários:

Ka disse...

Paula,

Dantes ouvia sempre em directo o Pessoal e transmissível pois apanhava-me sempre no meio do trânsito. Mas os hábitos mudaram e agora só de vez em quando consigo ouvir. Obrigada pela dica! Irei ouvir no site da TSF. Além de o conhecer de programas da tv francesa o incício da entrevista é delicioso e concordo totalmente com ele quando diz que a pergunta de CVM é cruel :)

Quanto à tua pergunta curiosamente tinha-a para um dos próximos TPC's mas ainda não a pus pois eu própria ainda ando a pensar na resposta ...

Beijos

ps - uma coisa posso já dizer: o vinho faz sem dúvida alguma parte da nossa cultura

Luis Eme disse...

E o vinho por cá está ligado a coisas tão pouco recomendáveis, com a frase de Salazar: "Beber o vinho é dar de comer a um milhão de portugueses", e a subjacente proliferação de tabernas pelo país, nos anos trinta e quarenta...

o vinho nessa altura era uma espécie de antidoto para esquecer e anasteciar, e nunca como bem cultural, Paula...

Ka disse...

Paula,

Voltei pois estive a ouvir a entrevista que adorei!
Só não gostei muito do que ele escreveu no livro dele "Portugal é um país de vinhas mas não é um país de grades vinhos".
No entanto ele retratou-se dizendo que quando escreveu isso foi após uma breve experiência sendo que se voltasse a escrever o livro certamente já não escreveria esta frase. (fica a dúvida se foi por simpatia ou não...).
De resto concordo com grande parte do que ele diz.

Beijos

Sr do Vale disse...

Paula, se fosse oferecido a mim, um livro e um vinho...durante uma noite fria, arrancaria cada página após le-la e faria uma fogueira, degustando um gole de vinho.
E ao final quem sabe, teria matéria para escrever outro.

paulofski disse...

É díficil decidir de facto. Se tivesse eu tal decisão impunha a seguinte ordem, primeiro lia o livro e depois bebia o vinho.

Beijo

Cláudio disse...

Ora bem... para mim a cultura tem que ver com a expectativa de crescimento. Com efeito, inicia-se a cultura com a sementeira ou com a plantação de caules. Aguarda-se então por ventos favoráveis, recomendando-se o Zéfiro que cruza as Itálias vindo, benfazejo, de Leste. Bufa por hábito milenar no mês de Abril anunciando a Primavera.

Luís Galego disse...

é preciso ter em atenção que a cultura não é um amontoado de valores, ideias e instituições que podem ser separados e atirados cada qual para a sua categoria, mas um sistema complexo de elementos coordenados e perfeitamente integrados. Enfim, daria um trabalho académico!!!

Paula Crespo disse...

Olá a Todos,
Obrigada pelos vossos comentários.
Não deixa de ser interessante verificar a dificuldade em responder à minha questão - indicar bens emblemáticos da cultura portuguesa -, e penso que isso tem de alguma forma a ver com a ideia que nós temos de nós próprios, em termos colectivos. É-nos sempre mais fácil identificar elementos distintivos noutros povos do que em nós.
Tendo como referência este post e o que nele é dito, arriscaria dizer que o vinho do Porto e o Fado são dois dos bens culturais pelos quais os portugueses poderão ser identificados. Ou, noutro plano, Camões ou Pessoa. Tudo isto são clichés, eu sei, mas quando se pensa em elementos identificadores de um povo, surgem sempre os clichés, necessariamente.
Concordo com o Luís Galego quando diz que cultura é "um sistema complexo de elementos coordenados e perfeitamente integrados" e que "daria um trabalho académico", ou ainda com o que diz LB, "cultura é o que somos, a nossa identidade, os nossos valores". É isso mesmo, um conjunto de características. Portugal é fruto das muitas influências sofridas ao longo da sua História, não nos esquecendo até das influências que hoje em dia se fazem sentir com a vaga de outros povos que por cá habitam, e esse multiculturalismo constitui uma riqueza. Mais afectividade do que racionalidade será outra das nossas características mais dominantes, com tudo de bom e de mau que isso encerra.
Esta é a minha perspectiva...
Um bom feriado para Todos!