domingo, 7 de setembro de 2008

“Carvalhesa”: o som da Festa



É aos saltos que um mar de gente termina cada noite da Festa do «Avante!», ao som da Carvalhesa. Uma visão contagiante, sem dúvida, de uma multidão ululante, aos pulinhos, entre risadas, copos e uma espécie de ensaio mal-amanhado de dança de roda.

A Carvalhesa é uma música de dança de roda transmontana. Recolhida na aldeia de Tuiselo, perto de Vinhais (Bragança), em 1932, por Kurt Schindler, um maestro e compositor alemão radicado nos Estados Unidos, ficou registada no livro editado pela Columbia University, em 1941, Folk Music and Poetry of Spain and Portugal. Mais tarde, em 1970, um etnólogo corso, Michel Giacometti, responsável por uma missão internacional de estudo do folclore das ilhas mediterrânicas, resolve seguir as pistas deixadas por Schindler e descobre uma outra versão da Carvalhesa nesta região de Trás-os-Montes, pressupondo-se que, tratando-se de uma música de baile, terão havido outras versões, apagadas pelo tempo.

Em 1985, o PCP adopta esta música como hino para as suas actividades, designadamente para a abertura e encerramento da Festa.

Numa festa em que a música constitui o principal atractivo para a grande maioria dos participantes, que a vêem como mais um festival onde podem assistir, por bom preço, a um conjunto diversificado de bandas e estilos para muitos gostos, a Festa do «Avante!», continua ainda a ser um acontecimento a reter, apesar da feroz concorrência de todos os outros festivais que enchem o calendário. Uma verdadeira feira, onde a música se mistura entre tendas de artesanato e quinquilharia, em que o velhinho lenço palestiniano sobrevive, malgré tout, e se “actualiza” em várias cores; em que as tendas de comida regional e internacional, de um universo comunista cada vez mais escasso, divulgam sabores esperados; em que ranchos folclóricos satisfazem os mais velhos adeptos do Partido, saudosistas de um tempo que já lá vai e que, mesmo assim, muitos deles não chegaram a viver; palcos de propaganda ideológica, naturalmente inerente ao espírito da Festa, já que, apesar da confusão existente em muitas mentes, não se trata de mais um qualquer festival. É assim, neste reino do brique-à-braque, que a Festa do «Avante!» sobrevive e se afirma, ainda e remando contra a maré. Com o esforço dedicado de muitos militantes do PCP, verdadeiros elos nesta corrente, que erguem a Festa.

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades", já cantava Camões no século XVI. E é bem verdade. Sinal dos tempos e da inevitável alteração das conjunturas históricas, ditadas pelo desenvolvimento económico e pelas alterações vividas pelas sociedades modernas, a ideologia comunista e os seus partidos nacionais têm vindo a perder terreno (não obstante se lhes reconhecer a estes um papel louvável, ainda agora, como porta-voz das populações, podendo funcionar como elemento de equilíbrio e ponderação na tomada de decisão política, como "travão" do status quo). A propósito, lembro aqui o excelente documentário que a RTP passou esta semana, Comunismo – História de uma ilusão, e que tão bem ilustra o seu nascimento, apogeu e declínio. Naturalmente, como tantas outras correntes, apontando aspectos fortes e fraquezas que o caracterizaram em quase 100 anos de domínio da cena internacional. Imperdível, para melhor se perceber a História.

Resta, pois, a Festa. “São as águas de Março fechando o Verão”, cantava Elis Regina, a propósito do seu país tropical. Aqui, a Festa, com os seus contornos de rentrée. Sempre no início de Setembro. Sempre a fechar o Verão.

1 comentário:

Paula Crespo disse...

Lb,
Acredite que eu não ia lá desde os tempos da Ajuda, imagine...! A Festa em que participou o Chico Buarque ficou na memória colectiva: toda a gente fala disso, ainda hoje, mas eu a essa não fui - acho que ainda era "pequenita..." ;)
Bjs