(imagem retirada da net)
Veio-lhe à memória uma fidelidade em forma de soneto, com sotaque adocicado, como doce era também a sua letra:
De tudo ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento.
E esta fidelidade continuava o seu canto até que concluía:
E assim, quando mais tarde me procure / Quem sabe a morte, angústia de quem vive / Quem sabe a solidão, fim de quem ama / Eu possa me dizer do amor (que tive): / Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure.
Fez marcha a ré nos pensamentos, já que o sono assobiava ao longe de costas voltadas. Infinito não terá sido, pensou, e o olhar quase se embaciava, recordando-se de outra vida vivida. Mas também houve sol nessa outra vida.
Deu meia-volta na cama e procurou adormecer. Mais meia-volta mas o sono tardava, andava arredio, dando espaço a pensamentos mais densos. Não sabia por onde deveria cortar – ou melhor, isso até sabia, mas não lhe apetecia. Como seguir o impulso e ceder aos sentidos, se a cada esquina novo coelho saía da cartola, sempre negro, num discurso profético em que se anunciava um desfecho doloroso para uma existência já de si sofrida? Como persistir no querer quando outra tentação lhe segredava ao ouvido palavras doces com promessas cheias de sol? Mas como avançar para esse sol, envolto num algodão doce, se o impulso teimava noutra direcção e lhe punha na boca o gosto amargo que não passa, por mais algodão doce que se coma?
Veio-lhe à memória uma fidelidade em forma de soneto, com sotaque adocicado, como doce era também a sua letra:
De tudo ao meu amor serei atento / Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto / Que mesmo em face do maior encanto / Dele se encante mais meu pensamento.
E esta fidelidade continuava o seu canto até que concluía:
E assim, quando mais tarde me procure / Quem sabe a morte, angústia de quem vive / Quem sabe a solidão, fim de quem ama / Eu possa me dizer do amor (que tive): / Que não seja imortal, posto que é chama / Mas que seja infinito enquanto dure.
Fez marcha a ré nos pensamentos, já que o sono assobiava ao longe de costas voltadas. Infinito não terá sido, pensou, e o olhar quase se embaciava, recordando-se de outra vida vivida. Mas também houve sol nessa outra vida.
As memórias começavam agora a aproximar-se do tempo recente; parecia que vinham a todo o vapor e serviam-lhe de bandeja outras lembranças. O futuro não acaba amanhã, sorriu-lhe esta. Desfilavam como fantasmas elegantes nesta noite sem sono. O tal que teimava em assobiar para o alto, qual miúdo travesso: se ao menos ele fizesse o que lhe competia, pensava, já não tinha que me ocupar com estes pensamentos circulares, abrigos destes fantasmas elegantes…
Ao fim de mais umas voltas o sono resignou-se e entrou, de mansinho, dando-lhe tréguas. Até ao despertar.
12 comentários:
fidelidade .. palavra cheia maior que lealdade, amizade, cumplicidade e outras não necessariamente terminadas de igual forma.
Como maior é a tua escrita.
Ainda que sobre fantasmas que por vezes deixo escapar pela janela semi-aberta.
:)
Há fantasmas que são uns fala-barato... ;) É preciso decifrá-los, como também é preciso decifrar estas entrelinhas...
Um bem-hajas pelo teu comentário! :)
Paula
uma insónia deveras produtiva e cheia de conteúdo, enorme e saboroso de ler
beijinho
:-)
Flip,
Uma insónia "povoada", sem dúvida... ;)
Bjs
Para mim, seria mais: o futuro pode esperar?
Estes versos de Vinícius sempre foram um "moto" para mim.
Como vês, a inspiração volta.
Beijinhos
Blue,
Fiquei na dúvida se respondeste à questão ou não. Mas talvez sim... ;)
Inspiração? Pois...;)
Bjs
A encruzilhada. Mais cedo, mais tarde, nos encontramos em uma delas. Nestes casos, a razão sempre foi melhor conselheira do que coelhos que saem de cartolas. Além do mais, o poeta está certo, neste contexto o amor é de fato infinito. E a história da afetividade se escreve em sucessivos capítulos infinitos.
Um beijo!
Oliver,
Meu caro: sábias palavras as suas!
Um beijo!
nice shot !
;)
Alex,
Yap... ;)
"... que seja infinito enquanto dure".
Ironia à parte, o poeta brinca com as palavras sobre um tema tão sério como é o da (in)fidelidade.
Ao contrário, o texto não adoça as palavras e interroga as almas inquietas perseguidas pelas tentações da carne.
Respondo com outra pergunta: quem dá resposta sobre o infinito nestes casos? o provedor do amor?
Texto muito interessante e sobre o qual também me debrucei recentemente (sem cair à rua) mas num registo muito mais soft.
Continuação de óptima semana!
Legível,
Se tiver a morada desse Provedor... a gerência agradece!... ;)
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