sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Memórias de infância

Foto de José Neves

Maria olhou a miniatura de lata amarela. A tampa da arca aberta e ao lado o saco cheio de outras miudezas, prontas a seguirem viagem até ao contentor do lixo mais próximo. Agarrou o pequeno brinquedo, mexeu, mirou e remirou. Sorriu um sorriso calmo e morno e viajou numa memória perdida. Aquela miniatura lembrou-lhe as vezes em que, puxada pela mão da mãe, caminhava apressada, passos atabalhoados, pernas curtas de criança, aos tropeções, “depressa”, diziam-lhe, “não podemos perdê-lo”, e dava por si quase atirada para dentro, entalada entre um sobretudo e um vestido de lã. Sentia o carro deslizar a uma velocidade estonteante, e ia experimentando o prazer dessa pequena vertigem, deliciada. Mais tarde, a sensação amadureceu, a vida encheu-se de outros afazeres e o tempo corria veloz demais para a velocidade deste carro. Agora o prazer já era outro, ditado pelo charme da pequena carruagem. Deixou de ser escolha para pressas e foi usada para momentos em que o relógio vivia devagar. Mais tarde, ainda, abandonou por completo estes passeios, embarcou noutros, até ao momento presente, em que a viagem se fez de novo, através dos carris da memória. E quase jurava que voltou a sentir o aconchego do sobretudo e do vestido de lã.


5 comentários:

George Sand disse...

Infelizmente, fui perdendo quese todas as minhas memórias de infância. Estas, dos brinquedos que nos acompanharam os sonhos em crescimento.
Gostei muito do blogue

Paula Crespo disse...

George,
Obrigada pela visita. Cá a espero! :)

George Sand disse...

Cá estou.
Passei para lhe desejar um feliz Natal

Paula Crespo disse...

George,
Bem vejo! Agradecida :):)
Um excelente 2012 para si!

ana castro disse...

paula, gostei muito. parabéns.
Desejo que escrevas muito.Grande sensibilidade.
um beijo
ana castro (amiga da Maria Jorge, casa do alentejo, companheira de mesa.)