(imagem tirada da net)
A vírgula entrou singela, altaneira, no seu vestido coleante. Desliza pela sala, dengosa. Recosta-se num sofá, com ar absorto e distraído.
"Vamos dançar?", pergunta. Ele. Baixo e atarracado, como que carregando sempre um peso sobre a sua cabeça. Vestido de preto, com ar um tudo nada fora de época, há muito que se tinha habituado a ver os outros de costas, rumando em direcção contrária à sua, desprezando-o e ignorando a sua presença. Ou, noutros dias e noutras horas, chamando-o para tarefas que não eram as suas, confundindo-o com outros parceiros, subalternizando-o.
Ela, sempre muito atarefada, sendo constantemente chamada a figurar em qualquer cenário, sempre presente. Ela, olhando-o de baixo para cima – não muito, dada a pouca estatura dele, coitado! – abriu um sorriso estreito e descorado, para deixar através dele escorregar um desinteressante “Não, obrigada…”
“É o costume”, pensou ele. Arrastou-se até ao balcão, pediu um gin e ficou a observar quem entrava. Viu aproximar-se aquele desmiolado do ponto de exclamação. Alto e magro, elegante até, não passava despercebido naquele círculo de acentos e letras desencontradas. Em tempos constou que tinha tido uma infância atribulada, e uma vida com questões mal resolvidas. Mantém sempre aquele ar admirado, espantado mesmo. “Bahh, mais parece um miúdo hiperactivo…”, concluiu o ponto e vírgula, “nunca entendi porque lhe dão tanta importância…”
Olhou na direcção do sofá onde ela permanecia recostada, agora acompanhada por dois pontos. “Sempre iguais, estes dois”, pensou, abanando levemente a cabeça. “Desde que os conheço que andam sempre juntos, inseparáveis, um verdadeiro Dupond e Dupont…"
Viu-a levantar-se e sorrir. Os dois pontos permaneciam no sofá, agora um pouco abandonados à sua sorte. Ela, a vírgula, altaneira, deslizava no seu vestido coleante e cumprimentava, dengosa, o travessão e os parênteses. Desdobravam-se em elogios e sorrisos, trocavam olhares cúmplices e gulosos e ela, olhando ora para um, ora para outro, começava a sentir uma leve tontura na sua cabeleira farta e loura, sem se decidir a qual prestar maior atenção. “São tão parecidos”, coube-lhe agora pensar, “quase se confundem…”
Ao fim de meia-hora de trivialidades, a vírgula voltou para o seu sofá, abriu a bolsinha da maquilhagem e retocou o rosto, onde leves traços se vincavam já. “Há que manter o brilho”, gracejou para si própria.
Ergueu a cabeça e os seus olhos procuraram os outros acentos. Naquela confusão de letras soltas lá os vislumbrou, ao fundo da sala, por entre uma atmosfera já pesada de fumo, aos seus admiradores, que se derretiam agora perante a nova frase da moda, que acabara de entrar. "Novos brilhos", pensou ela…
"Vamos dançar?", pergunta. Ele. Baixo e atarracado, como que carregando sempre um peso sobre a sua cabeça. Vestido de preto, com ar um tudo nada fora de época, há muito que se tinha habituado a ver os outros de costas, rumando em direcção contrária à sua, desprezando-o e ignorando a sua presença. Ou, noutros dias e noutras horas, chamando-o para tarefas que não eram as suas, confundindo-o com outros parceiros, subalternizando-o.
Ela, sempre muito atarefada, sendo constantemente chamada a figurar em qualquer cenário, sempre presente. Ela, olhando-o de baixo para cima – não muito, dada a pouca estatura dele, coitado! – abriu um sorriso estreito e descorado, para deixar através dele escorregar um desinteressante “Não, obrigada…”
“É o costume”, pensou ele. Arrastou-se até ao balcão, pediu um gin e ficou a observar quem entrava. Viu aproximar-se aquele desmiolado do ponto de exclamação. Alto e magro, elegante até, não passava despercebido naquele círculo de acentos e letras desencontradas. Em tempos constou que tinha tido uma infância atribulada, e uma vida com questões mal resolvidas. Mantém sempre aquele ar admirado, espantado mesmo. “Bahh, mais parece um miúdo hiperactivo…”, concluiu o ponto e vírgula, “nunca entendi porque lhe dão tanta importância…”
Olhou na direcção do sofá onde ela permanecia recostada, agora acompanhada por dois pontos. “Sempre iguais, estes dois”, pensou, abanando levemente a cabeça. “Desde que os conheço que andam sempre juntos, inseparáveis, um verdadeiro Dupond e Dupont…"
Viu-a levantar-se e sorrir. Os dois pontos permaneciam no sofá, agora um pouco abandonados à sua sorte. Ela, a vírgula, altaneira, deslizava no seu vestido coleante e cumprimentava, dengosa, o travessão e os parênteses. Desdobravam-se em elogios e sorrisos, trocavam olhares cúmplices e gulosos e ela, olhando ora para um, ora para outro, começava a sentir uma leve tontura na sua cabeleira farta e loura, sem se decidir a qual prestar maior atenção. “São tão parecidos”, coube-lhe agora pensar, “quase se confundem…”
Ao fim de meia-hora de trivialidades, a vírgula voltou para o seu sofá, abriu a bolsinha da maquilhagem e retocou o rosto, onde leves traços se vincavam já. “Há que manter o brilho”, gracejou para si própria.
Ergueu a cabeça e os seus olhos procuraram os outros acentos. Naquela confusão de letras soltas lá os vislumbrou, ao fundo da sala, por entre uma atmosfera já pesada de fumo, aos seus admiradores, que se derretiam agora perante a nova frase da moda, que acabara de entrar. "Novos brilhos", pensou ela…
16 comentários:
Gosto imenso destes teus exercícios Paula :)) e outros brilhos de facto .. mais baços, sem encanto e sedução acrescentaria *
Beijinhos e votos de bonm fim-de-semana
parecidos que se confundem....
na verdade os novos brilhos poderão ser velhos
abrazo serrano y europeo
Ou é o mesmo, ou então outro texto semelhante, na mesma linha, que publicou aqui há algum tempo. De qualquer maneira, é muito criativo.
Espero que esteja de volta em definitivo.
Um beijo!
Muito criativo. :)
Um abraço
Cat,
Thanks!! ;)
Pois, sem encanto e sedução... isto também depende sempre do ponto de vista... ;)
Bjs
Mixtu,
É o ciclo das coisas a funcionar... ;)
Abraço
Oliver,
Não é o mesmo texto, é outro, se bem que na mesma linha: com os acentos como protagonistas! ;)
De volta? Estou sempre... devagarinho... ;);)
Beijos
CNS,
Bem-haja!
Abraço
Adorei este texto, cheio de metáforas.
E que estrago a vírgula fez naquele salão.
Brilhante.
Beijinhos
Blue,
As vírgulas com este perfil costumam fazer isso mesmo: estragos! ;) ehehe!!
Obrigada por teres gostado do conto :)
Bjs
Há "novos brilhos", que de novo só parece terem o brilho, que não deverão frequentar essa sala...
francamente delirante...a tua costela de contista ao rubro...Bjs
Vim dizer-te para agarrares num cesto bem grande e apareceres lá por casa. Tens muita coisa para trazer. Alguns comuns e um só para ti.
Beijinhos
LB,
Caríssimo, lá isso é verdade. E "cheira-me" que dava pano para mangas... :)
Luís,
Gosto de contos, confesso. Pequenas histórias, mais incisivas.
Um bem-haja enorme pelo incentivo: vindo de ti tem um peso muito próprio...
Bjs
Blue,
E lá fui eu, de cesto enfiado no braço... :) Obrigada pela tua simpatia!
Bjs
Enviar um comentário