Alemanha, anos 50. Pós-guerra e uma Berlim ainda devastada: as ruas apresentam as marcas das armas e os habitantes as marcas da derrota. Pressente-se a crueza dos dias, a dificuldade do recomeço.
Este é o cenário inicial de O Leitor (The Reader), um filme que, segundo quase todos, nos transporta para os dramas do Holocausto e de uma Alemanha envergonhada e traumatizada pela sua História recente. Verdade mas redutor, a meu ver, já que este filme diz muito mais do que isto. Senão vejamos:
Um adolescente de 15 anos (Michael Berg) conhece por acaso uma mulher, com cerca de 35 (Hanna Schmitz). Apaixona-se por ela e vivem uma relação, naturalmente clandestina. Até aqui nada de novo, não fosse o caso de ela gostar que lhe lessem livros e vivesse essas histórias de forma tão intensa como se assistisse a uma peça de teatro que muito lhe dissesse. A relação entre ambos prossegue, a um ritmo comandado por ela e estimulado pela leitura dos clássicos que ele lhe faz chegar. Um belo dia, ela desaparece sem deixar rasto e, oito anos mais tarde, ele descobre-a como ré num julgamento de um caso de Holocausto, onde ela se lhe revela como tendo sido guarda prisional em Auschwitz e tendo sido co-responsável pela morte de prisioneiras judias.
Esta é a história óbvia do filme, trazendo para a boca de cena uma vez mais os dramas da II Guerra Mundial, tema aliás ressuscitado ultimamente por outros filmes como Resistentes, O Rapaz do Pijama às Riscas ou ainda Valquíria. Contudo, o aspecto mais interessante e talvez mais inovador desta história reside no perfil psicológico da personagem de Hanna, uma mulher que aparenta uma origem talvez rural, analfabeta, e com um quadro mental muito próprio, em que o seu analfabetismo lhe dita as regras de conduta e lhe confere padrões éticos diferentes dos das outras pessoas. O seu ar sofrido leva-nos a pensar que se envergonha do seu passado como guarda prisional. Puro engano. Hanna apenas se limitou a cumprir a sua função o melhor que sabia e este ar sofrido advém antes de uma contenção de carácter, da sua obsessão em esconder o seu analfabetismo, limitação essa que, a seus olhos, a diferenciaria dos outros, qual alien de outro planeta.
A moral, a ética do direito (patente no respeito que a personagem Michael Berg revelou ter por ela, enquanto ré, ao não revelar o segredo de Hanna: a sua incapacidade para ler), o rígido quadro psicológico dela, que até na sua morte se revelou, uma vez mais, coerente (tem de morrer já que foi condenada a prisão perpétua...) são, quanto a mim, as pérolas deste filme que, não sendo arrebatador, promove uma reflexão muito interessante.
27 comentários:
Em primeiro lugar posso apresentar uma reclamação pela sentida ausência?! ;)
ok .. agora vou ler o postal :)
sem dúvida que uma outra forma de olhar o Holocausto .. uma forma de pensar que os que o fizeram foram de algum modo .. humanos.
Gostei de ler Paula :)
Este foi um dos meus livros de Verão. Devorei-o - pela história, pelos personagens. Maravilhoso. Quanto ao filme, espero o DVD ;)
passa no Vekiki e traz uma frase para ti :)
Once,
Em primeiro lugar, um enorme bem-hajas pelo queixume: é sempre bom saber alguém sente a nossa ausência... :):):)
Bjs
Once,
Em segundo lugar, sobre o comentário:
Humanos?... Hum, talvez, se tivermos em conta que os humanos são por natureza imperfeitos. Atendendo à personagem em questão: ela era desequilibrada, se bem que não se possa dizer que fosse má. Não seria; apenas tinha os seus próprios padrões de conduta e nem sempre entendia a ética e a moral comummente aceite...
Bjs
Vekiki,
Eu li o livro há uns anos, quando não era um best-seller. Uma história muito bem conseguida, com muito interesse para a psiquiatria (acho eu...).
Já lá fui colher uma frase... ;)
Bjs
Olá Paula!
Bons olhos te leiam :)
Quanto ao filme está na lista como sendo o próximo a ver e tenho bastante curiosidade.
Engraçado que esta época cinéfila traz-nos 3 filmes com diferentes perspectivas do mesmo assunto: O Rapaz do pijama ás riscas; O Leitor e o Valquíria. Já vi o primeiro e falta-me estes dois.
Beijos
Ka,
:):)
Muitos filmes bons, mesmo! Quem não os quiser perder vai ter de andar numa correria... ;)
Bjs
Boas leituras para este leitor que já sentia o perfume das tuas palavras.
Beijo
Paula,
li o livro e vi o filme.
Adorei ambos e seria a minha escolha para melhor filme.
Beijinhos
Ps: obrigada por me chamares a atenção para o facto de os vídeos que pus já não estarem available.
Já os substitui.
Se não viste a cerimónia, puxa da cadeira e vai lá espreitar.
Paulofski,
Hum... perfumadas? :)
Bjs
Blue,
Para melhor filme não diria, já que de todos os que vi recentemente, o de que mais gostei foi do Revolutionary Road. Mas que gostei bastante, gostei. É um filme inteligente e que dá pano para mangas.
Cadeirinha? É pra já! :)
Bjs
Paula
adorei o filme, sensacional, a Kate é um assombro nesta peça e bem mereceu o Óscar
:-)
Flip,
Sem dúvida, assim como também tem um excelente desempenho em Revolutionary Road...
Olá. Passei por aqui e gostei.
O "The Reader" ainda não vi, mas tenho que ver rapidamente. Vi o "Revolucionary Road" e achei fantastico. A Kate é sempre maravilhosa.
Um abraço.
César,
Obrigada pelo elogio ao blogue. Volte sempre!
Andei uns dias desaparecido, porque num daqueles erros inexplicáveis, apaguei a lista de links do meu blog e não foi fácil reconstruí-la.
Apanhei-a agora na Vekiki e vou voltar a colocá-la lá no meu cantinho, de onde nunca devia ter saído
Carlos,
É caso pra dizer: apanhada numa curva cibernética... ;)
Também tenho andado desaparecida, por isso...
LB,
:)
A ver, sim...
Às vezes, Paula, as suas análises são melhores que os próprios filmes. Não há como resistir em assisti-los.
Um beijo!
Oliver,
:):):) Só você, mesmo!... ;)
Bjo
Espero ver este filme. Obrigado pelo texto.
Beijinhos
Pedro,
Merece, sim.
Boa semana!
Um óptimo filme, sim senhor :)
Prazer em conhecê-la. Está sendo mesmo um grande prazer a leitura das suas crônicas.
Um grande abraço.
Inês,
Seja bem-vinda a este espaço! :)
José Carlos Brandão,
Obrigada pelo elogio e volte sempre! :)
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