terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Uma força tamanha

(Foto da Internet)

Um xaile e uma guitarra. É assim que Amália definiu, num momento, o que cantava.

Amália, o Filme, de Carlos Coelho da Silva, é uma biografia ficcionada, uma adaptação livre da vida da diva. Mas, e recorrendo ao povo, tão glosado no fado e por ela, onde há fumo há fogo. Desta feita, a selecção dos momentos vividos, se bem que obviamente discricionária, pretende ilustrar os pontos-chave da sua carreira e da sua vida pessoal e caracterizar o seu carácter.

O filme inicia-se numa linguagem contrária à do neo-realismo cinematográfico, ao pintar em tons suaves os cenários de uma pobreza branquinha e a cheirar a lavado, que carrega nos clichés de forma tão forte que quase torna irreal as suas cenas, mais parecendo uma pobreza à Estado Novo, de tão limpinha que se apresenta. Mas, ultrapassada esta fase da infância da fadista, e centrando-me em aspectos que considero mais marcantes no filme, saliente-se a cena de abertura, em 1984, com uma Amália de 64 anos, em Nova Iorque, completamente desesperada e tão cheia de amargura que ensaia um suicídio, absolutamente dramático. Uma cena de uma plasticidade bonita, a que se sobrepõem planos em flashes de memórias antigas, todas elas também dramáticas ou traumatizantes e que, de alguma forma, contribuiriam para as tendências suicidas da artista. Aliás, esta cena de Nova Iorque é recorrente ao longo do filme, com um telefone que toca e não responde, oferecendo um clima tenso e trágico e que, só no final, se revela feliz.

Mas, mais do que os aspectos cinematográficos propriamente ditos, com uma excelente composição da actriz principal e óptimas interpretações dos restantes actores, salienta-se o carácter impetuoso e vincado de Amália; os seus desamores e a busca incessante em ser feliz; o amor pela família e as desventuras; os relacionamentos com pessoas ligadas à política, designadamente à Oposição, bem como alguma complacência com a figura de Salazar, sem se identificar muito com qualquer ideal político mas sempre pronta a abraçar as pessoas e a causa humana. E, uma vez mais, a voz. Única, sentida e inconfundível. Que não era produzida pelas cordas vocais mas sim nascida das entranhas. Uma voz de uma força tamanha. Eterna, sem dúvida.


Com que voz – Amália Rodrigues

9 comentários:

Paula Crespo disse...

LB,
Eu sou apreciadora do género mas só de algumas vozes, as que considero mais... "profundas" ;)
Gracias!
Bjo

Anónimo disse...

E neste caso pode mesmo afirmar-se que era "a voz mais profunda do fado", uma verdadeira rainha.

Uma bela noite de fados é meio caminho para momentos de prazer e convívio entre amigos.

Um beijinho.

Flip disse...

Amália é um icone luso, cheia de sentimento, muito nosso. Achei a caracterização da personagem muito bem, uma Amália mais nova. Viva Amália e viva nós, os lusitanos, temos característica s muito próprias, somos distintos e distinguimo-nos.
Concordas Paulinha?
:-)
:-)

Paula Crespo disse...

José,
Rainha, é o termo certo. Eu tive oportunidade de a ver actuar ao vivo por duas vezes, já na fase final da sua carreira, e gostei muito. Uma presença muito, muito forte em palco, marcante.
Noite de fados? Se as interpretações forem boas é sempre um acontecimento. Mas só se for do bom, caso contrário... ;)
Bjs

Paula Crespo disse...

Flip,
A interpretação de Amália neste filme está bem conseguida. Mais nova? Claro, ela também foi nova... ;)
Características próprias, nós? Certamente, aliás como qualquer povo tem as suas próprias características, não concordas? :)

AugustoMaio disse...

Muito bonito e muito bem lembrado.
Um gosto,tal como o Blog

Paula Crespo disse...

Augusto,
Obrigada pelo seu comentário. Volte sempre.

Anónimo disse...

Embora só goste verdadeiramente de Fado, quando o ouço nos seus "templos" , estou com curiosidade de ver o filme. A crítica não tem sido muito favorável, mas desconfio da crítica "engagée" da nossa imprensa

Paula Crespo disse...

Carlos,
O filme vê-se bem, é agradável, se bem que não é o filme da minha vida e enferma de alguns males, quanto a mim.
Mas a crítica por vezes tem razões que a razão desconhece...