quinta-feira, 13 de novembro de 2008

"Blindness" ou a selva humana

A cegueira branca. Uma cegueira que se opõe à física, tradicionalmente vestida de negro. Esta, cegueira de leite, cegueira da consciência. Uma sociedade de cegos que, por isso mesmo, se desumaniza e revela o negro mais negro do ser humano.

Ensaio sobre a cegueira (Blindness) estreia hoje. Filme de abertura do Festival de Cannes deste ano, baseado na obra homónima de José Saramago. Fernando Meirelles transpôs para cinema a sua perspectiva desta obra, interpretando-a de forma feliz, recorrendo à utilização de uma luz branca e leitosa e de planos desfocados, pretendendo assim, nas próprias palavras do realizador, transportar o espectador para dentro da tela, para o interior desta realidade de um mundo de cegos que constitui esta metáfora social.

Saramago não deixa pistas que nos permitam identificar a acção no tempo e no espaço. A história decorre numa grande cidade, uma qualquer cidade sem nome visível, e Meirelles recheou-a de personagens dos quatro cantos do mundo, numa composição de um tecido social suficientemente abrangente para respeitar a alegoria ditada pelo criador da obra.

O tema sintetiza a preocupação do autor. «Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.», é o alerta, tantas vezes gritado por Saramago, dito também em Estocolmo aquando da atribuição do Nobel. É o seu mote querido, fio condutor ao longo da sua vasta obra.

Julianne Moore corporiza o guia, a bengala, o apoio, a única capaz de ver. Por isso mesmo, a luz ao fundo do túnel, a salvação. No final, uma réstia de esperança, o renascer para um mundo novo, o alívio do despertar de um pesadelo. Citando Saramago, aquando do lançamento do livro: "Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso."

29 comentários:

Ka disse...

tenho bastante curiosidade acerca deste filme...

às tantas ainda o vejo hoje :)

Beijos

A. Jorge disse...

Também tenho bastante curiosidade acerca deste filme. Tanto se tem dito e falado, vou ter que ver!

Um beijo

Jorge

Flip disse...

olá Paula
li a obra há tempo, gostei, uma idéia original e um rude golpe na normalidade, um pouco absurda, mas curioso em ver como retratado em filme, depoos direi
:-)

BlueVelvet disse...

É sabido que não sou fã de Saramago, mas depois de ver o clip da emoção dele quando acabou de ver o filme, decidi que iria ver o filme.
E vou.
Caso queiras ver o dito clip aqui fica o site:
http://www.youtube.com/watch?v=Y1hzDzAvJOY&eurl=http://www.google.com/reader/view/?tab=my

Veludinhos azuis

vieira calado disse...

Vou ver como hei-de fazer, para ver o filme.
Obrigado pela informação.

Paula Crespo disse...

Ka,
Às tantas... :)
Bjs

Paula Crespo disse...

Jorge,
Recomendo... :)
Bjs

Paula Crespo disse...

Lb,
Isso sei eu! ;)
Mas olhe que é uma grande responsabilidade que me está apôr em cima...;)
Bjs

Paula Crespo disse...

Flip,
Muito original, de facto. É daquelas ideias que não ocorreria a ninguém, acho eu. Uma alegoria bem conseguida.
Bjs

Paula Crespo disse...

Bluevelvet,
Agradeço-te muito o link do vídeo mas, por acaso, já conhecia. É simples mas comevedor...
Bjs

Paula Crespo disse...

Vieira Calado,
Vale a pena, sim. Mas não dispensa a leitura do livro.

CPrice disse...

acompanhei a polémica e gostei particularmente da resposta de Saramago .. não sou sua admiradora in extremis ;) mas confesso alguma curiosidade no exercício feito tendo a sua literatura por base.

Claro que este (mais um) brilhante texto Paula acabou por me convencer!

Beijito e bom fim-de-semana

Anónimo disse...

Hoje é dia do Mercador de Veneza, amanhã é a vez de Blindness.


Cheers

Luis Eme disse...

não li o livro, mas tenho alguma curiosidade pelo filme, porque gosto dos actores principais, Paula...

bjs

Paula Crespo disse...

Once,
Ele tem várias polémicas associadas a obras suas, como sabe, como por exemplo a do Evangelho segundo Jesus Cristo.
Quanto ao resto do comentário... bem-haja! :)
Bjs e bom fim-de-semana!

Paula Crespo disse...

Tim,
Isso é que é ritmo... :)
Cheers!

Paula Crespo disse...

Luis Eme,
Os actores estão ao nível quer do argumento quer da realização. De realçar talvez a prestação de Julianne Moore, como actriz principal, num registo dramático, e a de Gael García Bernal.
Bjs e bom fim-de-semana.

Alexandre disse...

Quis ser o primeiro a ir ver o filme, hehehe, para postar sobre ele, mas nesse dia não deu, e deixei cair a minha ansiedade - no entanto, conto ir ver agora no princípio da semana..Excelente abordagem de uma chamada de atenção por parte de alguém que vê o mundo diferente da maioria das pessoas (refiro-me ao Saramago)

Muitos beijinhos! Bom domingo!!!

mariam [Maria Martins] disse...

Paula,
obrigada p'la por esta excelente divulgação.
um filme a ver, com absoluta certeza! li o livro, não vi a encenação, mas conto ver o filme... a propósito, casualmente descobri hoje, que «J.Saramago», também aderiu à Blogosfera!
http://blog.josesaramago.org/
tem um blog, cuja manutenção está a cargo de «Pilar», mas onde tem um caderno-de-notas, é muito bonito o que escreveu acerca deste tema, numa visita que fez a uma rádio, onde surpreendentemente os locutores estavam com faixas postas nos olhos...
http://caderno.josesaramago.org/

bom Domingo e melhor semana
um sorriso :)

mariam

Oliver Pickwick disse...

É um grande filme, de roteiro irretocável. E ainda por cima, tem visual esmerado. Acredito que é o melhor desempenho de Juliane Moore.
Sem seguir o livro ao "pé-da-letra", Meirelles produziu uma grande obra. Aliás, já havia mostrado que é bom em adaptações com O Jardineiro Fiel.
Um beijo!

P.S.: Quem sabe, um dia ele não resolve filmar uma obra de Jorge Amado e assim, exibir o universo dos coronéis das terras do sem-fim? ;)

Paula Crespo disse...

Alexandre,
Excelente e diferente.
Bjs e boa semana!

Paula Crespo disse...

Mariam,
Já entrei no site dele e tb vi o Caderno de Notas. Muito imaginativa aqule ideia dos olhos vendados!...
Bjs e boa semana!

meus instantes e momentos disse...

parabens pelo post, muito bom.
Gostei de vir conhecer teu blog.
Maurizio

Paula Crespo disse...

Oliver,
Também vi O Fiel Jardineiro e gostei muito.
Quanto ao universo dos coronéis das terras do sem-fim: é uma excelente proposta, para a qual ele vai precisar de seguir os seus guiões, certamente! :)
Beijo

Paula Crespo disse...

Maurizio,
Obrigada pela visita. Cá o espero...
uma boa semana!

claras manhãs disse...

Pouco depois de o livri ser publicado, Fernamdo Meirelles, ainda um desconhecido, entrou em contacto com Saramago para fazer o filme.
Saramago recusou.
Mais tarde, muito mais tarde, quem lhe veio propor o filme, escolheu Fernando Meirelles para realizador.
Já era conhecido. Ironias do destino.
O livro é de enorme violência, mas talvez dos melhores licros de Saramago.

beijinho

Paula Crespo disse...

Claras manhãs,
Pois, ironias...
Mas o livro é dos melhores que li dele até agora e, apesar de ter gostado do filme, acho que o livro é bem mais cru e intenso.
Bjs

Alberto Oliveira disse...

... depois do "Fiel Jardineiro" e da "Cidade de Deus", esperava muito mais de Meirelles neste filme.
O tema era apetecível, um cast de valores firmados mas os diálogos (que são a base de guião que se preze) francamente decepcionantes e uma direcção de actores a roçar o medíocre.
Há adaptações de obras literárias para o cinema que são difíceis de trabalhar, não conseguindo fazer esquecer o produto original.
Naturalmente que esta minha opinião não significa que "Blindness" é um filme a não ver. Pelo contrário, até porque existe sempre a curiosidade das "comparações" entre o filme e a obra literária, o que é um óptimo e salutar exercício cultural.
Parabéns pelas dicas que aqui vai deixando.

Óptima semana!

Paula Crespo disse...

Legivel,
Aqui a doutrina diverge, como se costuma dizer ;) Não acho o filme nada decepcionante. No entanto, a impressão causada pela leitura do texto de Saramago foi incomparavelmente mais forte e intensa do que agora ao ver o filme. O que também não surpreende, já que constitui uma segunda "leitura" da história. Ainda assim...
Obrigada :):)
Uma óptima semana para si também!