segunda-feira, 1 de março de 2010

News? What news?!

Imagem tirada daqui

Devia chamar-se Rosa. Ou Ana. Ou ter um nome um pouco mais esticado e responder por Marília. Ou Lucinda. Por que nome dava acordo de si também pouco importa. Importa antes saber que já era velha, usava lenço na cabeça e umas peúgas de lã que apareciam de dentro de uns chinelos. Importa ainda entender que procurava o caminho da normalidade por entre um monte de escombros que uma mãe, a natureza, lhe havia posto à frente e que eram grandes e altos e escorriam lama, o que tornava difícil a caminhada, ainda por cima para esta Ana ou Rosa ou Marília que teimava em preencher o dia com a normalidade interrompida pela catástrofe. Por esta e pelo Luís. Ou seria Nuno? Talvez Francisco ou Pedro. Fosse como fosse, seria um nome de gente muito mais nova do que ela - a Ana ou a Marília.

Este Nuno tinha chegado à ilha trazido pela catástrofe. Um filho da mãe, natureza, enviado para este fim-de-mundo alagado e lamacento, para matar a sede que uns têm do sangue dos outros. A natureza criou mais uma vez uma bela oportunidade de negócio. Após a catástrofe ficaram os escombros e a desgraça dos que ficaram sem tecto atrai outros bem recostados no sofá. Isto é mesmo assim, pois os Franciscos também têm de ganhar a vida e pagar o tecto e o sofá lá de casa. E à falta de imaginação ou competência maior, e enquanto não nos chegar outra grande desgraça (que há-de vir com toda a certeza, é uma questão de os Pedros e os seus chefes terem um pouco de paciência), há que fazer render as lágrimas, mesmo quando a hora é já de andar para a frente. E é por esta razão, que tudo dita e que nos diz o que havemos de ver naquele aparelho em frente ao sofá, que o Luís perguntou à Rosa como iria ela conseguir percorrer o caminho até ao que restava da sua casa, ao que esta Ana respondeu, desembaraçada, Subindo por aqui acima, como os outros fazem! E como a Nuno já lhe faltassem ideias para encher mais esta reportagem vazia de novidades, atirou uma derradeira e fundamental pergunta para quem ainda não tivesse entendido bem há quantos anos Marília vivia sobre esta terra e da dificuldade que, manda o bom senso, ela deveria sentir em galgar os pedregulhos do caminho: Diga-me só uma coisa: que idade tem?, ao que Lucinda responde, já de costas viradas, Ai não sei, são tantos que já nem me lembro…

E, não sem algum desdém, fez-se ao caminho. Onde quer que este estivesse…

4 comentários:

Centralina disse...

Bela apresentação do valor do essencial e o ridículo do acessório Da coragem de fazer, contra a apatia que contempla a desgraça. Muito bem escrito. Gostei especialmente dos nomes que se somam e não definem ninguém em especial e do final lapidar, “….já de costas viradas, Ai não sei, são tantos que já nem me lembro…”, ou seja, vá para o raio que o parta.
Parabéns para a autora.

Paula Crespo disse...

Centralina,
Os nomes escolhidos pretendem definir as idades previsíveis dos protagonistas e o facto de serem referidos de forma circular pretende dar a ideia de anonimato.
A exploração exaustiva da desgraça deixa de ser notícia e não serve o objectivo de informar; é apenas sensacionalismo e revela um vazio noticioso. Por outro lado, achei louvável a atitude construtiva das pessoas, em oposição ao interesse revelado pela cobertura jornalística.
Agradecida pelo elogio... :)

CNS disse...

Excelente retrato. Real

macaco do 1ºD disse...

Estimado,

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