De há muito que gosto de novas cinematografias, novas linguagens, outros olhares.
Caramel, ou caramelo. Feito de açúcar, sumo de limão e água, é a técnica artesanal utilizada para servir de cera depilatória no cabeleireiro (pomposamente chamado de instituto de beleza Venus Beauty) onde tudo se passa. Um filme no feminino, sem dúvida, protagonizado por cinco mulheres e as suas estórias, os seus pequenos nadas do quotidiano em que, por vezes, ecoam dramas maiores das suas vidas; como é o caso de Rose, a costureira, que se resigna a continuar sozinha e tomar conta da velha irmã tresloucada, abdicando do seu sonho de arranjar marido. Ou, ainda, de Jamale, a mulher que disfarça a menopausa, o passar dos anos, e a frustração dos seus sonhos de glória não alcançados.
Almodôvar parece estar presente nesta composição, neste conjunto de retratos. Quase que lhe sentimos a direcção das actrizes, os tiques, os ambientes neste "tom rosa", ao mesmo tempo tão alegre e divertido, como sério e espelho da sociedade libanesa.
Esta é a primeira longa-metragem de Nadine Labaki, a realizadora libanesa de 34 anos, que interpreta também a personagem de Layale, a bela proprietária do cabeleireiro. Em entrevista dada sobre o seu filme, ela resume-o desta forma: É a história de cinco mulheres libanesas, cinco amigas de idades diferentes, que trabalham e se cruzam num instituto de beleza em Beirute. (...) Neste universo tipicamente feminino, essas mulheres - que sofrem da hipocrisia de um sistema tradicional oriental - entreajudam-se nos problemas que encontram com os homens, o amor, o casamento, o sexo...
Numa viagem que fiz à Turquia há uns anos, senti a proximidade que existe entre eles e nós. Supostamente tão distantes (cultura, língua, religião...) e tão espantosamente próximos. Esta breve incursão pelo Líbano apenas veio reavivar-me a memória e confirmar isso mesmo: as cenas poderiam ser transpostas para um Portugal de há vinte anos, ou mesmo para o de hoje, em certos bairros mais populares, onde a cumplicidade entre vizinhos, um certo desmazelo nos hábitos do dia-a-dia e um tradicional quase desrespeito pela autoridade, tudo isto num ritmo típico do Sul, ligeiro e descontraído, me fez sentir algumas semelhanças.
Um filme de grande sensibilidade, uma "comédia" saudável que nos deixa um sorriso nos lábios...Um doce prazer.
Excertos de críticas sobre o filme, publicadas em títulos estrangeiros:
Libération
(...) a transposição do "Venus Beauty" (instituto) em pleno Beirute faz sentido: resume como ninguém a sociedade libanesa e a sua maneira singular de fazer sala como no tempo do protectorado. [francês]
Studio Francesa
(...) saudemos a performance das intérpretes, todas actrizes não profissionais que a realizadora descobriu em encontros casuais.
Le Monde
(...) elegância sensual da encenação. Servido por uma bela luz (Yves Senhaoui), que celebra tão bem a beleza das actrizes como leva em conta a miséria que por todo o lado ameaça o esplendor de Beirute, embalada por uma música elegantemente sentimental (de Khaled Mouzanar), Caramel encontra um ritmo singular que mescla intimamente a vivacidade com a gravidade do tempo que passa.
Première
Para a sua primeira longa-metragem, Nadine Labaki (...) evoca o seu país, o Líbano, por via de um microcosmos feminino a contas com os seus impulsos sensuais e a realidade contrastada do seu tempo. Os (longos) anos de guerra nunca são evocados, mas por trás da despreocupação voluntarista, o kitsch e a ligeireza aparente (o filme assume o seu perfume de comédia), o rosa bombom não é forçosamente a cor dominante. Machismo ambiente, religiosidade pouco discretamente batida nas sombras, crispações entre as comunidades, raparigas obrigadas a sacrificar os seus desejos no altar do dever: Nadine Labaki, frequentemente mais amarga que doce, dá a ver as restrições que pesam nas suas personagens.