domingo, 30 de dezembro de 2007

Imaginário revisitado...


Esta é uma obra que faz parte do meu imaginário, e sempre dele fará.


Despeço-me de 2007 indo reviver um dos grandes êxitos de sempre, e uma das minhas eternas paixões, Jesus Christ Superstar, agora em versão portuguesa encenada por Filipe La Féria.

Em Portugal existe um preconceito em relação aos musicais, que são catalogados, por muitos, como espectáculos populares, logo, uma espécie de arte menor. E como em Portugal "musical" é sinónimo de La Féria, este "apanha por tabela". Apesar de já ter visto alguns dos seus espectáculos, confesso que nem todos os que produz me suscitam interesse, o que me tem feito falhar uns quantos. Mas, ainda assim, reconheço o seu mérito. Não que eu tenha tirado o dia para defender La Féria, mas só lamento que quem é sempre tão crítico em relação a musicais não perca um, desde que esteja de passagem por Londres ou Nova Iorque. Talvez porque faça parte do roteiro...

Estou a escrever este post "a quente", acabada de sair do teatro, e nem sequer li as críticas sobre a peça. Mas, em minha opinião, este é talvez o seu melhor espectáculo. Bastante colado à versão original, que Tim Rice e Andrew Lloyd Webber estrearam em Nova Iorque em 1973, este Jesus Cristo Superstar conta com um elenco de 54 actores, cantores e bailarinos. O espectáculo a que assisti tinha Gonçalo Salgueiro no papel de Jesus de Nazaré e Laura Rodrigues em Maria Madalena. Mas é Pedro Bargado, em Judas Iscariotes, que concentra todas as atenções, não só porque é ele o narrador da história - tal como no original - , mas, e sobretudo, pelo magnífico desempenho, tanto como actor, bailarino ou cantor.


Em Jesus Christ Superstar existem múltiplas referências contemporâneas, o que garantiu a intemporalidade da obra. São disso exemplo (a par da música de eleição!) a caracterização das personagens - ora à época, ora actuais - , e todo um conjunto de adereços e de referências típicas dos anos 70. Ora esta versão portuguesa também ela pretende aludir a aspectos contemporâneos, como, por exemplo, o ataque às torres gémeas, de 2001, logo no início do espectáculo.

A peça que acabei de ver em nada desmereceu o original de 1973, mantendo sempre uma intensidade dramática muito grande. O meu mais sincero aplauso!

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A morte saiu à rua...


T. irrompe pela sala: "Já sabes que mataram Benazir Bhutto?..."

Não sabia. Foi há pouco, hoje mesmo. Fiquei chocada, até - e digo "até", porque já deveria estar mais habituada ao rol de desgraças e consequentes rios de sangue que daquela parte do globo nos reportam, diariamente. Mas nunca nos habituamos realmente, não é assim? Principalmente quando se trata de actores importantes, com papéis-chave na cena política, ou outra. Actores nos quais alguém - muitos, mesmo - depositam esperança num amanhã melhor, mais claro, mais transparente.

Benazir pertencia a uma família de elite, abastada, culta e esclarecida. Interveniente, portanto. Tanto, que é amaldiçoada por um país - e citando Cara Ferreira Alves na sua Pluma Capichosa, em Atenção ao Paquistão (Expresso, 21.08.2007) "(...) [país] onde a única lealdade é para com Deus ou o clã". O Paquistão nunca teve uma identidade nacional e colectiva". O seu pai, Ali Bhutto, fundador do Partido do Povo Paquistanês, (partido de base islâmica mas adepto da democracia ocidental), presidente e primeiro-ministro do Paquistão nos anos 70, foi morto pela ditadura militar que se lhe seguiu. Murtaza Bhutto, irmão de Benazir, activista catalogado com a esquerda paquistanesa (seja lá o que isso for...), foi também ele assassinado, em 1996, durante confrontos com a polícia.

Tal como na Índia - primeiro com Gandhi, em 1947, depois com Indira Gandhi, em 1984 -, ou em Israel, com Yitzchak Rabin, em 1995; todos pacifistas ou defensores de uma maior abertura para os seus países, e todos assassinados por extremistas -, também Benazir foi eliminada, afastada da corrida às próximas eleições de 8 de Janeiro - daqui a dias. Esperança, uma vez mais, adiada.

A morte saiu à rua... ou será que ainda de lá não saiu?...

Percurso de Benazir Bhutto
Nascida a 21 de Junho de 1953, filha do antigo primeiro-ministro Zulfikar Ali Bhutto, Benazir estudou nos Estados Unidos, em Harvard, e obteve um doutoramento em Filosofia, em Oxford.

Benazir regressou ao Paquistão em 1977 quando o seu pai foi afastado do poder pelo general Zia ul-Haq, antes de ser executado pelo regime militar deste último.

Detida várias vezes ou colocada em prisão domiciliária, Benazir reorganizou o Partido do Povo Paquistanês, fundado pelo seu pai.

Exilada em Janeiro de 1984 em Londres, Bhutto fez um regresso triunfal em 1986. De novo detida dias depois de uma manifestação ilegal contra o general Zia, Bhutto escapou a um atentado em Janeiro de 1987. Em Novembro de 1988, o PPP vencia as eleições e Bhutto tornou-se chefe de governo.

Destituída em Agosto de 1990 por corrupção e nepotismo, Bhutto compareceu perante os tribunais especiais de Setembro de 1990 a Maio de 1991 por abuso de poder e desvio de fundos públicos, acusações das quais será inocentada em 1994.

Derrotada nas eleições de Outubro de 1990, passou a fazer oposição. Em Outubro de 1993 subia novamente ao poder com a vitória do PPP, antes de ser afastada pelos mesmos motivos no final de 1996.

Benazir Bhutto casou em 1987 com Asif Ali Zardari e tinha três filhos.

(in Publico, 27.12.2007)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Tucker: the man and his dream

Serve este post para repor a verdade dos factos: era este o filme de que eu não recordava o nome e que referi no post anterior, mas alguém já me refrescou a memória!
Filme dirigido por Francis Ford Coppola, em 1988, enaltece o espírito criativo americano e lamenta que, em muitos casos, tal não seja devidamente reconhecido (é universal, não é?!...)
Bem-hajas pela lembrança!...

domingo, 16 de dezembro de 2007

Por portas e travessas...

É Inverno e faz frio. Um frio cinzento, que contrasta com a luz branca e intensa que abençoa esta cidade. Estico o caminho, desvio-me, e dou por mim a percorrer, preguiçosamente, ruas de um bairro que já foi o meu: prédios de três andares, sóbrios - até na sua decadência de entes mal conservados -, de traçado simples mas funcional. Filhos da reforma de Pombal, Homem com uma visão de futuro e um verdadeiro sentido de modernidade, que se reflectiu muito para além do urbanismo. Estadista iluminado que outros obscureceram, por ignorância, mesquinhez, má-fé ou conveniência. Para a História parece ter ficado apenas a fama de um carácter cruel e impiedoso, em detrimento de valores mais elevados, que lhe eram caros e dos quais nós somos beneficiários.

Sou uma urbanita. Vem-me sempre à memória uma frase que nunca esqueci, de um filme visto há muito e cujo título não recordo, em que alguém, perguntando a outro alguém como gostava ele do café, este respondia: "Na cidade"...

Nascida e criada em Lisboa, gosto de me perder nela, percorrer os seus bairros tão diferenciados, as suas ruas, os becos esconsos, esquecidos por detrás das avenidas. São ruas mais ou menos estreitas, com casas cheias de estórias, em que me cruzo com pormenores que vou, aos poucos, (re)descobrindo. Relembro a velha mercearia de esquina do Sr. João, um minhoto anafado e bonacheirão com uma família a condizer, onde, para além do feijão ou do arroz, a vizinhança se abastecia das chamadas telefónicas para a terrinha, que nos finais de 60 permanecia longe, à espera do Verão. Ou a capelista - estranho nome para uma lojinha de linhas e botões, mas em que também as meninas da escola iam comprar lápis de cor... Relembro, enfim, as velhas ruas pacatas e soalheiras e o pequeno jardim da infância, onde se brincava aos "cinco cantinhos" e à "macaca".

Mas para além da revisitação dos velhos lugares, gosto também de descobrir os pequenos pormenores que normalmente nos escapam: um cunhal de um prédio, uma janela, um pátio... Lisboa é particularmente pródiga em dissimular pequenas pérolas que, no dia-a-dia, nos passam despercebidas. É preciso abrandar o passo e apurar a vista, ver para além de olhar e, sobretudo, saborear, com infinito prazer, os pequenos nadas desta cidade antiga.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Deconstructing Johann...

Música e Coros, uma vez mais!

Para quem possa pensar que a música coral é chata e aborrecida, aqui deixo o testemunho do contrário com este vídeo dos KingsSingers. Parodiando a música de Bach, faz-me lembrar um pouco a peça da Companhia Teatral do Chiado, As obras completas de William Shakespeare em 97 minutos, que tanto sucesso tem tido: uma rapsódia satírica de árias e adágios barrocos, desfilando com muito humor e magistralmente interpretada por este Grupo. Chamo a especial atenção para o final inesperado...

Manoel de Oliveira - em vida...


Manoel de Oliveira completa hoje [11 Dezembro 2007] 99 anos

O mais premiado cineasta português de todos os tempos, Manoel de Oliveira, que hoje completa 99 anos, disse à agência Lusa que está determinado a realizar todos os filmes que ainda tem em projecto.
«Continuo enquanto me deixarem e enquanto tiver saúde», disse à Lusa Manoel de Oliveira, garantindo que quer realizar todos os projectos que tem, sem dar prioridade a nenhum em especial.
«Não quero chegar a parte nenhuma, [o cinema] foi só a minha paixão, foi quase que instintivo», afirmou o cineasta.
Manoel de Oliveira escusou-se a falar sobre o seu passado, sublinhando que está concentrado apenas nos planos para o futuro.
«Não olho para os filmes que fiz», frisou.
Manoel de Oliveira nasceu no Porto em 11 de Dezembro de 1908, mas foi registado como se tivesse nascido no dia seguinte.
Com 76 anos de cineasta e 99 de idade, Manoel de Oliveira é o mais velho realizador de cinema do Mundo em actividade e o mais premiado do cinema português.
«Douro, Faina Fluvial» (1931), «Aniki Bobó» (1942), «Benilde ou a Virgem Mãe» (1974), «Amor de Perdição» (1979), «Francisca» (1981), «Le Soulier de Satin» (1985), «Os Canibais» (1988), «Vale Abraão» (1993) e «O Quinto Império» (2004) são alguns dos mais de 40 filmes que realizou.
«Belle Toujours» e «Cristóvão Colombo - O Enigma» (com estreia marcada para 10 de Janeiro) são as obras mais recentes de Manoel de Oliveira, que tem em projecto «O estranho caso de Angélica» e a adaptação para cinema do conto de Eça de Queiroz «Singularidades de uma rapariga loira».
Diário Digital / Lusa
Detentor de um estilo próprio de fazer cinema, que uns amam, outros odeiam (e rejeitam a priori, sem tentarem explorar melhor os seus filmes), Manoel de Oliveira é principalmente reconhecido e amado internacionalmente, num circuito europeu letrado e intelectualizado. Muitas vezes ignorado no seu próprio país ou, melhor dizendo, por um público não muito dado a expressões visuais desta natureza, o cineasta beneficia de uma longevidade e lucidez raras, manifestando uma vitalidade notável. É este "viver pela positiva", com projectos aos 99 anos, que é de louvar e de invejar!
Filmografia de Manoel de Oliveira:
Longas-metragens
2007 - Cristovão Colombo – O Enigma
2006 - Belle Toujours
2005 - Espelho Mágico (filme)
2004 - O Quinto Império - Ontem Como Hoje
2003 - Um Filme Falado
2002 - O Princípio da Incerteza (filme)
2001 - Je Rentre à La Maison
2000 - Palavra e Utopia
1999 - A Carta (filme)
1998 - Inquietude
1997 - Viagem ao Princípio do Mundo
1996 - Party
1995 - O Convento
1993 - Vale Abraão
1992 - O Dia do Desespero
1991 - A Divina Comédia (filme)
1990 - Non, ou a Vâ Glória de Mandar
1988 - Os Canibais
1986 - Mon Cas
1985 - Le Soulier de Satin
1985 - Simpósio Internacional de Escultura em Pedra - Porto
1983 - Lisboa Cultural
1983 - Nice - à propos de Jean Vigo
1982 - Visita ou Memórias e Confissões
1981 - Francisca
1979 - Amor de Perdição (filme)
1974 - Benilde ou a Virgem Mãe
1972 - O Passado e o Presente
1966 - O Pão (documentário)
1965 - As Pinturas do meu irmão Júlio (documentário)
1963 - Acto da Primavera (documentário)
1942 - Aniki-Bobó

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Quem canta seus males espanta...



Complaints Choir of Chicago - Trailer

A queixa, o lamento, o queixume, a lamúria, a resmunguice - tudo isto, muito mais do que o protesto, activo e organizado, fazem parte do dia-a-dia de muita gente, e nós, portugueses, que o digamos, pois neste registo batemos qualquer recorde! Mas já que a queixinha está na ordem do dia, então, por que não fazê-lo de forma animada?

Isto parece uma contradição, é certo. Parece ferir de morte o próprio conceito em causa, já que, se é para resmungar, necessário se torna um rosto a condizer...

Bem, a tradição já não é o que era. Pode ser que já seja do conhecimento de muitos, mas para mim foi novidade: sabiam que existem vários Coros, por esse mundo fora, que decidiram cantar os lamentos de cada um? Nem mais. Ao que descobri, existe o Coro de Helsínquia, outro de Chicago, outro de Birmingham, o de S. Petersburgo, de Randburg... e outros haverá, certamente. Achei a ideia genial e decidi partilhar esta minha nova descoberta. Eu que adoro cantar e que até de um Coro faço parte, nunca me lembraria de tal proeza!...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Juan Rulfo


Juan Rulfo (1917-1986)

Continuando na senda do fotojornalismo, descobri recentemente este fotógrafo mexicano, também ele escritor, cujo verdadeiro nome era Juan Nepomuceno Carlos Pérez Vizcaíno. Nascido en Sayula, Estado de Jalisco, a 16 de maio de 1917, faleceu em 1986, na Cidade do México.

O povo mexicano aqui retratado neste portfolio, representa um México campesino e indígena, captado pela lente do artista, entre meados da década de 40 e meados da década de 50, do século XX.

Só em 1980 Rulfo acede a expor, pela primeira vez - uma selecção de cerca de 100 fotos, dos milhares que terá tirado. Como relata María Paulína Ortíz, "El mundo que Rulfo busca en sus fotografías es el mismo del que habla en su literatura. Tiene su misma temperatura, sus sombras, sus silencios, su tranquilidad. Tiene su magia y su melancolía. "

Don't come knocking...

Estrela Solitária

Uma farsa, a história de uma família, um «road movie».
Howard Spence já conheceu melhores dias. Quando novo era uma estrela de cinema, principalmente em Westerns. Agora, aos 60 anos, Howard utiliza drogas, álcool e jovens raparigas para evitar a dolorosa verdade: já só lhe restam papéis secundários para interpretar. Após mais uma noite de deboche no seu atrelado, Howard desperta com a desilusão de se ver ainda vivo, sabendo que ninguém sentiria a sua falta caso morresse.
Essa manhã, Howard não está presente no local das filmagens. Vemo-lo a galopar no seu cavalo das filmagens, usando as roupas da sua personagem – estilo cowboy na íntegra. Mas desta vez não há qualquer câmara a filmar. Howard está em fuga, do filme e da sua vida.
Mas Howard, um alcoólico, não se mantém sóbrio durante muito tempo em casa da sua mãe. Uma noite, ele vagueia até à cidade, acaba num casino de segunda e envolve-se numa zaragata. Howard acorda na prisão e a sua mãe paga-lhe a fiança. Depois, ambos têm finalmente uma conversa séria sobre o passado. A mãe lembra-se que há mais de 20 anos uma jovem lhe ligou tentando localizar Howard e que na época se apercebeu que ela estaria grávida. Howard fica chocado com a ideia de ter algures por aí um filho já crescido Esta criança parece ser um raio de esperança, uma possível salvação da sua vida narcisista e sem significado. Ele foge novamente, desta feita para localizar a seu filho.
Em 1900 Butte, Montana era a maior cidade a oeste do Mississipi. Agora, é um local de grande depressão. A baixa de Butte é uma cidade fantasma, difícil de identificar com o local das filmagens, há 25 anos, do filme que catapultou Howard para o estrelato. Muitos casos de uma noite tiveram lugar na vida de Howard durante essa rodagem. Doreen foi um deles. Ela continua a trabalhar no mesmo café onde conheceu Howard quando era jovem. Ela tem um filho, Earl, músico e cantor que vive também em Butte.
Howard reencontra Doreen. Ela reage com muita calma ao súbito aparecimento do seu antigo amante e pai do seu filho. O encontro de Howard com Earl, por outro lado, é muito violento. Earl rejeita absolutamente o pai que até então desconhecia e que aparece na sua vida demasiado tarde. Entristecido por este encontro, Howard está prestes a desistir e de novo deixar Butte, quando do nada surge uma jovem mulher chamada Sky. Ela tem exactamente a mesma idade de Earl. Ela é, na realidade, filha de Howard, o produto de outro breve encontro que teve lugar durante a mesma rodagem do mesmo filme. É meia-irmã de Earl. Os irmãos não sabem da existência um do outro. E é então que as verdadeiras complicações da reunião desta família americana começam…

Sob a direcção de Wim Wenders, e com Sam Shepard, Jessica Lange, Tim Roth, Gabriel Mann, Sarah Polley, Fairuza Balk e Eva Marie Saint, o último filme deste cineasta alemão, presentemente em exibição nas salas portuguesas, ficou bastante áquem das minhas expectativas. A parceria Wim Wenders/Sam Shepard do velhinho Paris Texas, ou o Wim Wenders do fabuloso e comovente The Million Dollar Baby não se revê, a meu ver, neste taciturno e arrastado drama da estrela de cinema decadente. Salve-se a sempre extraordinária Jessica Lange e parte da banda sonora do filme.