quarta-feira, 24 de março de 2010

As construções de Joana

Imagem tirada daqui


O mundo de Joana assenta nas rendas, nos bordados, nos paninhos, nas linhas, nos berloques, nos cabelos, nos botões. Assenta nos talheres de plástico, nos tachos, nos espanadores, nas meias, nos comprimidos, nas santinhas, nos objectos diários, nas supostas inutilidades, na caixa vazia, nas formas de todas as formas.

O mundo de Joana transporta-nos numa viagem pelo feminino, como no caso de A Noiva, um imenso lustre feito de tampões higiénicos, onde facilmente caímos na tentação de o ler como uma metáfora à sexualidade e fecundidade femininas. Ou na mulher de Burka que se despenha até se estatelar no chão. Ou no sapato da Cinderela, numa provável alusão à mulher-gata-borralheira, cheia de tachos... Ou, ainda, como no caso de Flores do Meu Desejo, um conjunto de suaves e delicados espanadores cuja forma faz lembrar um útero.

Este mundo dialoga em permanência e cruza-se em jogos de linguagem que também vão beber à tradição e à história, como no conjunto Coração Independente, num resultado magnífico que faz lembrar a filigrana e os corações de Viana, ou como na carripana apinhada de Nossas Senhoras de Fátima.

Mas também é um mundo grande e colorido como em Contaminação, uma alusão à globalização e à sociedade de consumo, ao desperdício. Num mundo que vive assente na imagem, ela pega em objectos do quotidiano, redimensiona-os até atingirem proporções gigantescas e confere-lhes outros significados que não os originais. Recicla-os. Cria outras palavras para outras imagens.

segunda-feira, 1 de março de 2010

News? What news?!

Imagem tirada daqui

Devia chamar-se Rosa. Ou Ana. Ou ter um nome um pouco mais esticado e responder por Marília. Ou Lucinda. Por que nome dava acordo de si também pouco importa. Importa antes saber que já era velha, usava lenço na cabeça e umas peúgas de lã que apareciam de dentro de uns chinelos. Importa ainda entender que procurava o caminho da normalidade por entre um monte de escombros que uma mãe, a natureza, lhe havia posto à frente e que eram grandes e altos e escorriam lama, o que tornava difícil a caminhada, ainda por cima para esta Ana ou Rosa ou Marília que teimava em preencher o dia com a normalidade interrompida pela catástrofe. Por esta e pelo Luís. Ou seria Nuno? Talvez Francisco ou Pedro. Fosse como fosse, seria um nome de gente muito mais nova do que ela - a Ana ou a Marília.

Este Nuno tinha chegado à ilha trazido pela catástrofe. Um filho da mãe, natureza, enviado para este fim-de-mundo alagado e lamacento, para matar a sede que uns têm do sangue dos outros. A natureza criou mais uma vez uma bela oportunidade de negócio. Após a catástrofe ficaram os escombros e a desgraça dos que ficaram sem tecto atrai outros bem recostados no sofá. Isto é mesmo assim, pois os Franciscos também têm de ganhar a vida e pagar o tecto e o sofá lá de casa. E à falta de imaginação ou competência maior, e enquanto não nos chegar outra grande desgraça (que há-de vir com toda a certeza, é uma questão de os Pedros e os seus chefes terem um pouco de paciência), há que fazer render as lágrimas, mesmo quando a hora é já de andar para a frente. E é por esta razão, que tudo dita e que nos diz o que havemos de ver naquele aparelho em frente ao sofá, que o Luís perguntou à Rosa como iria ela conseguir percorrer o caminho até ao que restava da sua casa, ao que esta Ana respondeu, desembaraçada, Subindo por aqui acima, como os outros fazem! E como a Nuno já lhe faltassem ideias para encher mais esta reportagem vazia de novidades, atirou uma derradeira e fundamental pergunta para quem ainda não tivesse entendido bem há quantos anos Marília vivia sobre esta terra e da dificuldade que, manda o bom senso, ela deveria sentir em galgar os pedregulhos do caminho: Diga-me só uma coisa: que idade tem?, ao que Lucinda responde, já de costas viradas, Ai não sei, são tantos que já nem me lembro…

E, não sem algum desdém, fez-se ao caminho. Onde quer que este estivesse…