segunda-feira, 4 de março de 2013
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência…
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Memórias de infância
quinta-feira, 19 de maio de 2011
Inquérito
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Doces da época e outros amargos de boca
O Natal não é uma data, é um estado de espírito. Leu. Dobrou o jornal em dois e ocorreu-lhe que gostaria de lhe dar mais corpo, a esse Natal que, pelos vistos, vive mais em espírito. Materializá-lo. Poder tocar-lhe, desvendar-lhe as formas, agarrá-lo e chamá-lo a si. Há já tantos anos que apenas o sonhava, que dele tinha saudades. Saudades de uma casa cheia, cheia de gente e de vozes, de risos e algum calor. Semicerrou os olhos para logo de seguida os abrir e fixar o tipo careca que aparentava apenas uns trinta de idade e mexia nervosamente o café. Um tipo muito vulgar, pensou, e talvez por isso desviou o olhar que percorreu um círculo em direcção ao jornal, dobrado ao meio, que repousava na mesa ao lado do prato com os restos do folhado. Seco, por sinal. Ainda com o Natal na cabeça, lembrou-se que gostava muito de azevias, principalmente das de grão, e que só costumava comer duas ou três em cada Dezembro. Apesar de gostar, o certo é que as enjoava facilmente e perdia a vontade até ao ano seguinte. Luísa tinha mão, fazia-as bem, mas desde que saiu comprava-as na pastelaria e não era a mesma coisa.
Saiu, com o jornal que continuava convenientemente dobrado debaixo do braço. Caminhou ao longo da rua, dobrou a esquina, atravessou outra rua e mais outra. Parou no semáforo para atravessar uma terceira e observou um casal com dois miúdos, um ainda criança, outro nem tanto, já adolescente, espigadote. Sorriu para dentro um sorriso pálido e novamente a ideia do Natal e do seu corpo entrou no seu pensamento, ou diria antes, no seu espírito. Não teve filhos e esse desejo esteve ausente durante muito tempo. Só chegou agora, sob a forma de vazio, um vazio acentuado a cada Dezembro, um maldito mês que no seu final se despedia sempre em tons carregados. Luísa, essa sim, sentira essa falta e talvez por isso as coisas azedaram entre eles, devagarinho, e mais tarde resolveu arejar e procurar preencher vazios, vários, noutros registos de vida.
O bolso do casaco vibrou com o toque do telefone. Atendeu. Falou uma conversa curta com o irmão. Desligou. Mais um problema resolvido - comeria as azevias em casa dele, com a cunhada e os miúdos, os sogros do irmão e uns primos do Algarve, que rondavam a mesa e o espaço em cada Dezembro e compunham a cena e aqueciam as conversas. Não seria o cenário idealizado, mas era o possível e, pensando bem, era de dar graças por ainda existir esta possibilidade, este aconchego. Agora devia ocupar-se com outros afazeres, como o que dar aos dois sobrinhos, cheios de tudo e falhos de coisa nenhuma, que agora os miúdos já nem espaço têm para desejar, de tão atafulhados que ficam nestas ocasiões. E noutras, também. Lembra-se que em criança desejou muito uma mota que demorou alguns anos a conquistar, mas hoje já não é assim. Resta saber como será amanhã, mais tarde, se já for difícil encher embrulhos bonitos, o que será das crianças, já grandes por fora, mas teimosamente pequenas por dentro… Enfim, pelo menos ele não sentiria na pele esse problema, uma vez que não tinha filhos.
Olhou para o relógio e sobressaltou-se com as horas, que o fizeram despertar para o presente. Continuou a andar pela avenida até que se deteve numa montra e o presente recuou, muitos anos. Sorriu um sorriso cúmplice, e resolveu-se a comprar uma mota que animava aquela pequena montra. Pronto, pensou, já tenho mais um problema resolvido.
domingo, 7 de novembro de 2010
O senhor João
Afastou com a ponta dos dedos a cortina branca da janela e espreitou pela vidraça. Ao fim da tarde, já pouca luz restava, já a sombra vinha comendo aquela rua estreita, o passeio, o prédio da dona Deolinda que morara mesmo em frente, no primeiro andar, mas João nem notava, de tal forma conhecia de olhos fechados a sua rua. Passava pouca gente àquela hora, quem regressava do emprego já tinha chegado e o frio não chamava para fora de casa, pelo contrário, percebia-se a luz das televisões por algumas das janelas que ainda permaneciam acordadas, antes do correr dos estores que anunciavam o sono dos seus donos.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Validação
Estava mesmo em cima da hora. Estacionou o carro na praceta, debaixo de uma chuva miudinha, abriu com dificuldade o guarda-chuva que já contava com duas varetas desamparadas, segurou como pôde a mala sempre aberta e saiu. Ultrapassou a esquina e entrou por aquela porta de alumínio, baixa, subindo as escadas e sentou-se à espera. Poucos minutos depois, ele abriu a porta, sorriu-lhe o sorriso habitual e, amavelmente, convidou-a a sentar-se. Então, como se sente?
Sentou-se.
Tentou passar rapidamente em revista a sua semana, na esperança de eleger acontecimentos dignos de registo. Na verdade, não lhe ocorria nada a que pudesse reconhecer relevância; a não ser que se sobressaltava ao mais leve movimento inesperado ou ao ouvir um som brusco; que se sobressaltava no desconforto dos seus dias, no desconforto de se saber a falar para o vazio e sem eco. Bom, mas isso não significava que alguma coisa tivesse acontecido, antes pelo contrário, já que não registava nenhum acontecimento digno de nota. A não ser que reflectisse sobre o facto de ao fim de todos estes anos continuar a falar para o vazio. Talvez isso fosse um problema geracional, era-o com toda a certeza, concluiu facilmente, já dentro da conversa com ele. Ele olhava-a e aguardava pacientemente que mais ideias surgissem e, quando surgiam, perguntava com uma certa cadência Quer ajudar-me a entender isso? Queria, seguramente. E avançava confiante pela teoria do conflito de gerações, discorrendo sobre o diferente valor dado às coisas e de como os conceitos abstractos tinham um entendimento diferente do dos conceitos mais materiais. De como, na outra geração, o respeito pelo outro ou a liberdade individual perdiam terreno para as questões mais concretas, como o custo das coisas e a segurança material, por exemplo.
Deixou sair um breve olhar pela janela, de soslaio, e voltou a vasculhar na memória recente a ver se descobria dias relevantes. Novamente de soslaio, o olhar virou-se para ele, que aguardava, pacientemente. Não sei que mais lhe possa contar, confessou timidamente. Ele sorriu, também um sorriso contido, e largou, a título de achega, Costuma dizer-se que quem está mal, muda-se...
Desceu as escadas, fez o caminho de volta e deixou-se envolver pela chuva miudinha que ainda marcava o final do dia. Saiu, com a sensação de ter levado um carimbo de validação em todas as reflexões que, habitualmente, nem achava que fossem suas mas apenas do senso comum. Ligou o rádio do carro e ouviu-o cantar a velha metáfora: Estava eu quase morto no deserto, e o Porto aqui tão perto!...
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Forever young ou o síndroma de Peter Pan
Imagem tirada daqui
* Verso da canção Desafinado, de Tom Jobim.
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Legenda de um olhar...
Cada ruga, cada traço, carregava anos de dias pesados, duros de trabalho.
Levantou-se cedo desde o berço, um caixotinho de tábuas perto da braseira. Cresceu e viveu acartando lenha, tratando da criação. Criou outra também, um rancho de seis filhos, quase todos ausentes agora, tirando a Laurinda que tinha ficado por perto e que agora ganhava a vida atrás do balcão, desfiando tecido a metro para uma freguesia pouco exigente e ainda menos compradora. Para além disso cuidava dela. Todos os dias lhe levava o almoço, lhe fazia a cama, lhe arrumava a casa, que Bárbara já não se endireitava como antes.
quarta-feira, 24 de março de 2010
As construções de Joana
O mundo de Joana assenta nas rendas, nos bordados, nos paninhos, nas linhas, nos berloques, nos cabelos, nos botões. Assenta nos talheres de plástico, nos tachos, nos espanadores, nas meias, nos comprimidos, nas santinhas, nos objectos diários, nas supostas inutilidades, na caixa vazia, nas formas de todas as formas.
O mundo de Joana transporta-nos numa viagem pelo feminino, como no caso de A Noiva, um imenso lustre feito de tampões higiénicos, onde facilmente caímos na tentação de o ler como uma metáfora à sexualidade e fecundidade femininas. Ou na mulher de Burka que se despenha até se estatelar no chão. Ou no sapato da Cinderela, numa provável alusão à mulher-gata-borralheira, cheia de tachos... Ou, ainda, como no caso de Flores do Meu Desejo, um conjunto de suaves e delicados espanadores cuja forma faz lembrar um útero.
Este mundo dialoga em permanência e cruza-se em jogos de linguagem que também vão beber à tradição e à história, como no conjunto Coração Independente, num resultado magnífico que faz lembrar a filigrana e os corações de Viana, ou como na carripana apinhada de Nossas Senhoras de Fátima.
Mas também é um mundo grande e colorido como em Contaminação, uma alusão à globalização e à sociedade de consumo, ao desperdício. Num mundo que vive assente na imagem, ela pega em objectos do quotidiano, redimensiona-os até atingirem proporções gigantescas e confere-lhes outros significados que não os originais. Recicla-os. Cria outras palavras para outras imagens.
segunda-feira, 1 de março de 2010
News? What news?!
Devia chamar-se Rosa. Ou Ana. Ou ter um nome um pouco mais esticado e responder por Marília. Ou Lucinda. Por que nome dava acordo de si também pouco importa. Importa antes saber que já era velha, usava lenço na cabeça e umas peúgas de lã que apareciam de dentro de uns chinelos. Importa ainda entender que procurava o caminho da normalidade por entre um monte de escombros que uma mãe, a natureza, lhe havia posto à frente e que eram grandes e altos e escorriam lama, o que tornava difícil a caminhada, ainda por cima para esta Ana ou Rosa ou Marília que teimava em preencher o dia com a normalidade interrompida pela catástrofe. Por esta e pelo Luís. Ou seria Nuno? Talvez Francisco ou Pedro. Fosse como fosse, seria um nome de gente muito mais nova do que ela - a Ana ou a Marília.
Este Nuno tinha chegado à ilha trazido pela catástrofe. Um filho da mãe, natureza, enviado para este fim-de-mundo alagado e lamacento, para matar a sede que uns têm do sangue dos outros. A natureza criou mais uma vez uma bela oportunidade de negócio. Após a catástrofe ficaram os escombros e a desgraça dos que ficaram sem tecto atrai outros bem recostados no sofá. Isto é mesmo assim, pois os Franciscos também têm de ganhar a vida e pagar o tecto e o sofá lá de casa. E à falta de imaginação ou competência maior, e enquanto não nos chegar outra grande desgraça (que há-de vir com toda a certeza, é uma questão de os Pedros e os seus chefes terem um pouco de paciência), há que fazer render as lágrimas, mesmo quando a hora é já de andar para a frente. E é por esta razão, que tudo dita e que nos diz o que havemos de ver naquele aparelho em frente ao sofá, que o Luís perguntou à Rosa como iria ela conseguir percorrer o caminho até ao que restava da sua casa, ao que esta Ana respondeu, desembaraçada, Subindo por aqui acima, como os outros fazem! E como a Nuno já lhe faltassem ideias para encher mais esta reportagem vazia de novidades, atirou uma derradeira e fundamental pergunta para quem ainda não tivesse entendido bem há quantos anos Marília vivia sobre esta terra e da dificuldade que, manda o bom senso, ela deveria sentir em galgar os pedregulhos do caminho: Diga-me só uma coisa: que idade tem?, ao que Lucinda responde, já de costas viradas, Ai não sei, são tantos que já nem me lembro…
E, não sem algum desdém, fez-se ao caminho. Onde quer que este estivesse…
sábado, 9 de janeiro de 2010
Sem pés nem cabeça!...
Imagino que seja o paraíso dos ortopedistas e endireitas! Esta cidade não é feita para ladies de salto agulha; é um chão de machos de sola rasa. Será o choro das pedras da calçada, frase tão portuguesa, a melhor expressão desta realidade? Ultrapassado o trocadilho, aqui fica uma reivindicação: ou a salvação deste chão português ou a salvação dos pés dos portugueses - pelo menos, das portuguesas! ;) - mas, por favor, quem de direito que se DECIDA!
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
Crescer de forma consciente: a desconstrução de um mito
A propósito da educação sexual nas escolas – ou da falta dela -, chamo a atenção para uma entrevista de Manuel Damas, sexólogo e formador na área da educação sexual, publicada em educare.pt. Devo dizer que concordo com tudo o que lá foi dito e que por isso mesmo me escuso de tentar discorrer sobre o tema, dando a palavra a quem percebe do assunto. Apesar da razoável dimensão do texto, não desistam de o ler porque vale bem a pena. Aqui fica.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Sim ou Não ao referendo?
A propósito das últimas notícias sobre a possibilidade de um referendo sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, voltei a ter um pensamento já velho, de recorrente que é. Parece-me óbvio que matérias que se prendem com questões de consciência não podem ser referendadas. Não são, por conceito, referendáveis. E isto porque, se se trata de uma matéria que remetemos para a nossa consciência, e que não é, portanto, matéria objectiva, então estaremos a cortar a possibilidade dos que querem agir pelo SIM se o resultado desse referendo tiver sido NÃO. Ou seja, só se pode agir em liberdade, de acordo com a consciência de cada um, se o resultado de um referendo for SIM; caso contrário, não resta ao cidadão qualquer possibilidade de escolha, após o referendo, não será assim?
Independentemente da posição que cada um de nós possa ter sobre a matéria, uma coisa é certa: neste género de questões, que se prendem com a consciência de cada um, o resultado de um referendo só é vinculativo se concluir pelo NÃO, já que o SIM não obriga ninguém a agir em conformidade. Quem não concorda com a matéria em causa logicamente que não a seguirá.
Certamente que todos já perceberam o quanto um instrumento cívico e de suposta liberdade como o referendo pode ser manipulado e usado para coarctar precisamente a liberdade. Daí que, referendo sim, mas só para temas concretos e objectivos e nunca em questões de consciência. Sob pena de estarmos a interferir na consciência dos outros.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2009
Oxalá
Nesta época de Gingle Bells, cada vez com menos espírito e mais matéria, principalmente da que enche as bancas das lojas sempre iguais, aguardo paciente que o espírito desça e me ilumine; e o pior é que ele, cada ano que passa, tarda em descer.
De tudo o que se tem inventado sobre esta época e sobre o dito espírito, recordo a propósito uma troca de ideias com alguém que me citava outro alguém que, recentemente, tinha proferido umas curiosas palavras:
O Natal não é quando um homem quiser. Ele acontece quando alguém nos quer.
Fiquei a magicar naquela frase, que foi tomando forma até se me provar ser verdadeira. Ou, melhor dizendo, ser um fim em si mesma, um objectivo. Se ele (Natal)é magia, então não basta pensarmos que conduzimos e lideramos e que tudo acontece por nossa exclusiva iniciativa. Ou melhor, a magia estará na reciprocidade: depende do que o Outro vê em nós o que, por sua vez, depende daquilo que nós lhe daremos a ver.
Isto pode parecer meio embrulhado. A culpa deve de ser do excesso de açúcar no cérebro, certamente, fruto desta época… Mas numa altura em que se fazem os tradicionais votos de mudança, à vista de um novo ano que nos bate à porta, talvez o melhor voto seja que consigamos ser capazes de aproveitar as oportunidades que ele nos trará e reconhecer nos pequenos nadas a possibilidade de sermos felizes.
Oxalá.