quinta-feira, 15 de abril de 2010

Legenda de um olhar...

O tempo tinha-o de sobra, apesar do pouco que lhe restava.
Cada ruga, cada traço, carregava anos de dias pesados, duros de trabalho.
Levantou-se cedo desde o berço, um caixotinho de tábuas perto da braseira. Cresceu e viveu acartando lenha, tratando da criação. Criou outra também, um rancho de seis filhos, quase todos ausentes agora, tirando a Laurinda que tinha ficado por perto e que agora ganhava a vida atrás do balcão, desfiando tecido a metro para uma freguesia pouco exigente e ainda menos compradora. Para além disso cuidava dela. Todos os dias lhe levava o almoço, lhe fazia a cama, lhe arrumava a casa, que Bárbara já não se endireitava como antes.

E esta ficava a olhá-la, quieta e silenciosa. Olhava-a e reconhecia os velhos gestos, os de sempre, que tinha passado à filha na rotina da lida da casa. Olhava-a num sentimento de missão cumprida, de ciclo fechado. Olhava-a na certeza e com a segurança ganhas pelo tempo. Do passado e do que lhe restava.