sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

A Coragem e o poeta fingidor...


O poema que abaixo se transcreve é commumente atribuído a Fernando Pessoa, mas parece que tal não é verdade. Até porque também parece diferente do estilo da escrita de Pessoa. Na forma e no conteúdo, o espírito do poema que nos chega pela rede traz-nos malhas que alguém teceu, possivelmente não esta Pessoa mas outra, que este Fernando, apesar de poeta fingidor confesso (O poeta é um fingidor /Finge tão completamente/Que chega a fingir que é dor/A dor que deveras sente), não parece ter vivido assim de forma tão afirmativa. Há quem defenda, portanto, a ideia de falsa autoria, e eu, apesar de não ser entendida em Pessoa, subscrevo. Mas, independentemente da discussão acerca da autoria do poema, o certo é que constitui um lema a seguir. Para quem conseguir...

Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma.
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.

Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Palavras sem sentido

Automat (1927), de Edward Hopper

Tinha umas palavras alinhavadas agarradas ao fundo de um outro texto num qualquer documento gravado, mas não as encontrava. Abri e fechei todas as pastas possíveis e nada. Sabia que era uma história de uma mulher que aguardava ser chamada para uma consulta mas a chamada tardava. Assim como já tardava o reencontro com essa pequena história, algures guardada numa qualquer pasta que teimava em não aparecer.

Seriam palavras sem sentido mas ainda assim tinha-lhes afeição, vá lá saber-se porquê!, e isto de deixar palavras soltas por aí era coisa que não me agradava… Até porque a sorte dessa mulher que esperava ouvir o seu nome ditado pelo altifalante do consultório médico começava a angustiar-me; essa espera prolongada não me estava nos hábitos e deixar alguém assim entregue à sua sorte afligia-me.

Saltitava entre ideias, enredada em começos de outras histórias, todas elas embrulhadas em inícios estranhos e com fins duvidosos, ao mesmo tempo que uma mulher sentada numa sala de espera de um qualquer consultório permanecia no meu espírito. Preocupava-me. Já a conhecia há algum tempo e pressentia-a ansiosa, de vinco na testa, consultando o relógio a cada trinta segundos e apurando o ouvido na esperança do nome anunciado. Mas nada.

Pensei chamar alguém que viesse em meu auxílio: não um médico ou enfermeiro, que para isso lá continuaria a mulher sentada na sala de espera do consultório, que era para esse fim que tinha encaminhado os passos, mas de outro tipo de auxílio, talvez mais técnico, talvez informático, que uma mulher sozinha, perdida entre bits e bites, angustiava-me.

Experimentei a velha técnica de desligar e voltar a ligar, que isto nunca se sabe… Aguardei uns minutos, que a máquina já não era nova e cansava-se nestas andanças de cá para lá. Ao virar de uma esquina tecnológica lá apareceu a pobre, cansada, esgotada de tanto esperar um final para a sua história sem sentido nenhum. Alegrou-se-lhe o rosto, o dela e o meu, e tomei-a pela mão. A sua espera segue dentro de momentos, exactamente no ponto onde a tinha abandonado…

Cá está ela, sentada. É alta e magra, e leva a mão ao cabelo num tique repetido amiúde, compondo uma madeixa teimosa que lhe descai sobre a testa. Os olhos vagueiam por uma revista fora de prazo que segura sem convicção, voltando as páginas para a frente e para trás.

Um nome surgiu no altifalante. Era agora. Levantou-se, pegou na mala atafulhada de inutilidades diárias, na gabardine e seguiu. Seguiu em frente até virar no corredor à esquerda e desaparecer numa porta estreita com uma maçaneta quebrada.

Voltou passados vinte minutos. Da conversa dentro de portas não adivinhava o rasto, somente o seu ar preocupado deixava antever um resultado menos feliz, ou mais apreensivo. Dirigiu-se ao balcão e recebeu um carimbo num papel, outro noutro e saiu, passando a curta distância de mim que a observava. Olhava-a... Para onde iria ela, que caminho seguiria? Não sabia, mas as ideias surgiam-me calmas, primeiro cinzentas, esfumadas, depois carregando um pouco mais nos tons, ganhando forma. Certamente iria para casa, colher o aconchego de um calor familiar que lhe lamberia as feridas da alma provocadas por uma notícia mais preocupante. Ou certamente, ainda, iria trabalhar, calando a mesma notícia preocupante que procuraria disfarçar num rosto sem expressão, para deixar à porta do gabinete o que lhe martelava o cérebro e lhe dificultaria a concentração. Ou, certamente também, nem uma coisa nem outra, antes encaminharia os passos para uma qualquer rua apinhada de gente, onde se esconderia na multidão e não teria de se preocupar em escolher um rosto diferente para mascarar a preocupante notícia que acabara de ouvir. Ou, com toda a certeza ainda, apressaria o passo em direcção ao laboratório recomendado e anularia as dúvidas numa outra certeza mais desejada.

O altifalante na sala de espera continuava a debitar nomes que ganhavam corpo e se levantavam, em direcção ao corredor com portas estreitas. Já só tinha uma pessoa à minha frente para ser atendida. Deitei uma olhadela à mala, à gabardine bege que tinha pousado na cadeira a meu lado e fiz recolher esta mulher de rosto preocupado para dentro da pasta de documentos, não sem antes ter escrito um ponto final. Desliguei o computador e fechei a tampa. O altifalante debitou então um nome que identifiquei como meu.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Convívios a sépia...


Olhou distraidamente em direcção à moldura grande que se encostava preguiçosamente contra a parede e voltou a olhar, agora com outros olhos, um pouco mais focados na imagem da mulher jovem que habitava a moldura. Habitava-a num ambiente em tons sépia, segurava um Chanel Nº 5 e, numa atitude coquete, sugeria uma sensualidade, ajudada por mil e um pormenores liderados por uma alça descaída. O glamour e a sensualidade andavam de mãos dadas nesta imagem; nesta imagem e em todas as outras, por demais conhecidas e que desde sempre passaram sob os olhos de todos, anunciadas com um rótulo, sempre o mesmo, o do desejo e o da crítica.

Nunca teve nenhuma predilecção por esta jovem mulher, reconhece. Possivelmente porque ela lhe chegou já datada, fora da sua época… E possivelmente também porque o rótulo que lhe colaram não coubesse na galeria daquilo que tinha por certo admirar. Por isso, a estranheza desta presença agora, tão próxima, partilhando um espaço destinado ao sono e ao sonho. Talvez porque os tons sépia do ambiente em que a jovem mulher retratada, aprisionada nesta moldura, vivia, rimassem com os tons do cortinado que quase lhe sussurrava confidências, de tão próximo que estava. Sim, só pode, confirmou para si própria sem se envergonhar.

Voltou a olhar na direcção da mesma e fixou-se nos caracóis dourados, transformados num indefinido branco luminoso por conta dos tons sépia dominantes no tal ambiente em que vivia a mulher jovem. Eram de algodão, pensou, e quase se sente a macieza do toque. Voltou-se para o outro lado, entreteve-se com outros pormenores que nada tinham a ver com esta história, mas o seu olhar voltou a pousar sobre esta superfície em tons sépia e no jogo de sombras que envolviam esta mulher jovem. Agora era a voz que, por certo, lhe sairia pequena, num sopro. Voltava a olhar em direcção a tudo o que se estava a passar dentro daquela moldura e sentia como se estivesse numa sala de espectáculo, momentos antes do início de um concerto, em que todos os instrumentos falam por si, num diálogo de costas voltadas, numa afinação com um objectivo comum. Também aqui se adivinhava um objectivo comum, um som comum, apesar da algazarra de vozes que, surdas, se escutavam através de um olhar em direcção à moldura grande em tons sépia.

Decidiu que era tarde e apagou a luz. Tentou pôr um ponto final ao cobrir de negro os tons sépia onde vivia aquela personagem que sempre lhe fora tão estranha. Apesar do negro, continuou a ouvir as vozes que saíam desta moldura e que contavam histórias. Vozes de um passado, todas em tons sépia...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida…


Se eu fosse uma esferográfica…


Se eu fosse uma esferográfica, gostava de ser brilhante, como uma estrela de cinema.
Adorava escrever a palavra “Mena”.
Saber escrever todas as palavras, até mesmo as inglesas.
Gostava de escrever sempre em papéis às cores.


Tiago


(Texto redigido aos 9 anos de idade, durante uma aula do 3º ano de escolaridade, no Jardim-Escola João de Deus, na Primavera de 1998).



Gostava de ter tido a capacidade de escrever este texto com a mesma idade mas não tive. Aqui fica a homenagem, através das suas próprias palavras, precoces, belas e inocentes. Precisamente à mesma hora em que nasceu. Hoje, aos vinte anos, continua com o mesmo sorriso e o olhar ainda inocente de quem muito tem ainda para viver. Porque hoje é o primeiro dia do resto da sua vida…


Parabéns, meu amor!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

No sentido inverso ao dos ponteiros do relógio…


The curious case of Benjamin Button

Life can only be understood backward...
... it must be lived forward


Um relógio que anda ao contrário, marcando um Tempo em retrocesso; um bebé que nasce velho e que caminha da morte até ao berço; uma sucessão de pequenos acontecimentos triviais do quotidiano, questionados em muitos “ses”, e que conduzem a um final trágico de uma perna quebrada e uma carreira interrompida. Estes são alguns dos aspectos que saliento nesta narrativa construída em 1921 por F. Scott Fitzgerald, agora adaptada a cinema por David Fincher. Deve-se ao desenvolvimento da técnica a possibilidade de visualizar esta obra, quer através de planos que “encolhem” Brad Pitt até ao tamanho da criança Benjamin Button, quer através da fabulosa caracterização das personagens, ora envelhecendo-as, ora, e sobretudo, rejuvenescendo-as, qual cobiçado elixir da juventude!

Num registo que faz lembrar o realismo fantástico sul-americano, esta história constrói-se como que num delírio, à primeira vista apetecível, mas que cedo se revela um verdadeiro pesadelo, pois viver ao contrário dos outros, num tempo próprio e invertido, compromete o futuro, tornando-o desacompanhado daqueles de quem gosta, vendo morrer os mais velhos, aqueles que percorrendo a vida em frente, acompanha caminhando para trás, em direcção a uma juventude e infância que ditarão o seu fim.

Não é o primeiro nem será o último filme a centrar-se na questão do Tempo. Lembro-me, por exemplo, de A Segunda Juventude, de Francis Ford Coppola, em que um homem de 70 anos mantém uma vitalidade de um de 40, e que em vez de envelhecer, rejuvenesce.

O Tempo dá pano para mangas. O Tempo, esse ditador, elemento que nos norteia a existência, nos condiciona. Um verdadeiro quebra-cabeças...

Stand by me...

Playing For Change: Song Around the World "Stand By Me"

Para começar bem a semana, aqui fica a voz de muitos, para sorriso de todos...

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Assim falou D. José...

(imagem da net)

O aviso de D. José Policarpo às mulheres portuguesas caiu mal. De pronto se levantaram as vozes do politicamente correcto, pretendendo pôr nas palavras ditas aquilo que os seus ouvidos dizem ter ouvido e dar-lhes uma interpretação que atiça a discórdia. Em que é que as palavras dele atrapalham os desejos de ecumenismo? A meu ver, em nada. Porque não foram contra o islamismo ou contra qualquer religião, mas apenas sublinhando as diferenças culturais, provenientes das diferenças religiosas e outras, que existem entre ocidentais (católicos praticantes ou não) e islâmicos. Os mesmos que se indignaram contra estas palavras têm também revelado indignação – e bem – quando se tornam conhecidos casos de mulheres subjugadas por terem casado com muçulmanos e emigrado para o país do marido, não se habituando a um modo de vida completamente contrário ao que estavam habituadas.

Sinceramente, penso que era este o sentido das palavras de D. Policarpo e não outro. Sinceramente, também penso que os “indignados” também assim o entenderam. Sinceramente, parece-me que estamos perante uma tempestade num copo de água…

Ou como ironizava uma senhora que conheci em tempos: “Se se pode complicar, para quê fazer simples?!...”

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A ver navios...



No terraço, num tempo dividido entre o café e o cigarro, partilhavam-se saídas. Saídas longas, traduzidas em viagens de Verão, com muito sol, daquelas alimentadas o ano inteiro para se esgotarem numa semana ou duas de glória.


Estás a ver aquele paquete? Já viajei num deles. Fantástico, adorei!, gabava-se justamente um, invocando as suas memórias de dias felizes, a bordo e na companhia dos seus. Aquilo é que é vida!, continuava. Ora, nada melhor do que partir com uma mochila às costas, dizia outra. Virei-me e, involuntariamente, franzi o sobrolho, desacreditado: justamente aquela que nada nem ninguém previa que tivesse esse tipo de memórias, de experiências. A resmungona crónica, sempre sombria, sempre a protestar por tudo e por coisa nenhuma. Quem diria!, pensei. Não era fácil imaginá-la assim, gaiata e ligeira, a carregar uma mochila às costas por um qualquer monte europeu, gozando dos prazeres da descoberta. Sendo feliz, em suma.


E a conversa continuava, livre e leve. E mais isto e mais aquilo e mais outra experiência. Conheces…? Ah sim, já lá estive… E foste…? Por acaso aí não cheguei, mas vi o…e a…


Passados poucos dias outro paquete desfilava no rio e outra conversa surgia, a propósito. As memórias de viagens abrem-nos sempre o sorriso e desenham no nosso espírito pensamentos coloridos, dos tais que pintam os dias de Inverno. Que nós por cá não nos podemos queixar muito, que nesta cidade, cheia da claridade reflectida neste rio lindo, os dias cor de cinza quase se contam pelos dedos. E quando chegam enchem-nos de birra, ficamos sem disposição para nada a não ser suspirar pelo sol e pedir contas a S. Pedro por tamanho castigo. E aí, voltamo-nos para o rio a olhar os navios ou abrimos a agenda grande para percorrer o mapa, que o “vá pelos seus dedos” é a opção mais à mão…

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Dos sonhos aos Reis…



Tinha a mesa posta desde a Consoada. A mesa onde raramente comia, reservada para as visitas, raras, mas por quem sempre se ficava à espera que aparecessem, Quem sabe não aparece por aí alguém hoje…, pensava e dizia, de si para si.

É tempo de Festas, das tais que nos trazem bolos e tradições e memórias. Tempo de arroz doce e filhoses, bolo-rei e sonhos. Vários. Sempre gordos e com muito açúcar e canela, daqueles que nos dá prazer lambuzarmo-nos e carregarmos depois o sentimento de culpa da certeza de mais uns quilos no corpo.

Tinha a mesa posta desde o 24, desde a Noite, a tal, e assim permanecia até ao Dia de Reis. Quem sabe não aparece por aí alguém hoje…, voltava a pensar. E escutava o tiquetaque do relógio de parede, cadenciado nas horas, as completas e as meias, e depenicava uma noz, de quando em vez.

Ela, a outra, cresceu a ouvir o tiquetaque do relógio de parede, que fazia companhia à mesa posta com os sonhos e as filhoses e o arroz doce. Acompanhou, sem grande partilha, uma espera de bocas alegres que tudo comeriam, com gula e satisfação, por entre beijocas repenicadas e o barulho do desembrulhar dos presentes. E os laços no chão. E as fitas.

Por entre os dias, um ou outro alguém ia aparecendo para saborear o doce da época e se regalar com a iguaria servida. Entrava e saía, distribuía sorrisos e prendas, largava uma beijoca e um Até breve! recebido com carinho mas na certeza de um retorno mais largo.

No Dia de Reis é tempo de levantar a mesa e de guardar os sonhos que sobraram; os bons, que os outros já não prestam. Dobrar a toalha e sacudir o açúcar derramado. E não esquecer de acertar o relógio de parede, para que o tempo chegue a horas certas.