quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A partida do Mestre Caymmi

Quem não conhece músicas como Modinha para Gabriela, Marina, São Salvador, Você já foi à Bahia?, O dengo que a nega tem, Doralice, Saudade da Bahia, Rosa Morena, O que é que a baiana tem, entre muitas, muitas outras canções que fazem parte das nossas memórias e que, muitas vezes, não lhe atribuimos a autoria, pois conhecemo-las interpretadas por todas as grandes vozes brasileiras. Algumas destas músicas, as mais antigas, celebrizadas na voz de Carmem Mirada, constituindo autêntico património histórico do Brasil.

Dorival Caymmi nasceu a 30 de Abril de 1914, em São Salvador da Bahia, filho de emigrantes italianos no Brasil, e morreu há poucos dias, a 16 de Agosto de 2008, no Rio de Janeiro. Foram 94 anos de um legado musical que recheou a música brasileira das melhores canções da sua história.

Para o Mestre, uma grande salva de palmas e um imenso bem-haja!

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Chiado: memórias de uma cidade


Lembro-me bem da notícia. De manhã, acordava com o alarido na rádio, que gritava Lisboa está a arder! - qual Roma de Nero. Nunca mais me vou esquecer do arrepio sentido, da confusão, da angústia deste acordar aflito. Não de um medo físico, já que não morava perto, mas de um medo de alma, de coração, da cidade que adoro. Parecia imparável o fogo que deflagrou pela madrugada e que se agigantava, comedor sôfrego de uma Lisboa antiga, da Lisboa queirosiana ou de Pessoa, da dos romances da escola que, felizmente, éramos obrigados a ler. O medo de que desaparecesse toda essa memória de ruas estreitas e cafés de tertúlia, da Lisboa das vozes do passado, cantada por tantos.

Passados 20 anos, impõe-se recordar. Como se possível fosse esquecer…

domingo, 24 de agosto de 2008

No país das esplanadas...

Esplanada junto ao mar, em Dubrovnik (Croácia)

Comecemos pelos faits divers: nunca vi um país com tanta esplanada como a Croácia, em que ao virar de cada esquina, ou numa curva banhada pelo mar, nos surge uma, magnífica, onde em vez das costumeiras cadeiras de plástico brancas ou de alumínio que por cá povoam este tipo de espaços, preguiçamos em bonitos sofás e cadeiras de verga estofadas, bem ao gosto europeu. A ver quem passa, a gozar do sol e do tempo ameno de um Agosto sem vento, contrário ao nosso que, pela proximidade do Atlântico, está presente todos os dias…

Continuando nos faits divers, diria que a Croácia é também o paraíso dos fumadores. Agora que por cá é proibido fumar em lugares fechados, parece que recuei no tempo. A sensação de que fumar é prática de quase todos os cidadãos adultos foi algo que me impressionou, pela quantidade: até parecia que o Estado incentivava para que se fumasse…!!

Mas deixemo-nos de pormenores e vamos ao essencial: país europeu, dos Balcãs, tem como vizinhos a norte a Eslovénia e Hungria, a nordeste a Sérvia, a leste a Bósnia e Herzegovina e a sul o Montenegro. Com uma história de dependência e subjugação a outros Estados, partilhou o martírio da II Guerra Mundial, com a perseguição a judeus, sérvios, ciganos e outras gentes. Saída da manta de retalhos em que se transformou a antiga Jugoslávia de Tito, e após reconhecida a independência em 1992, sobreveio à guerra civil que aqui durou de 1991 a 1995, e é agora país candidato à União Europeia. Com uma economia tendencialmente assente no turismo, a Croácia cativa pelas paisagens magníficas de uma costa com mais de 1000 ilhas (fazendo lembrar a costa grega, com as suas vilas brancas), banhada pelo Adriático, de águas calmas, mornas e transparentes. Sem areia, praticamente, mas sempre com uma grande utilização destes espaços a que chamam ”praia”…

Mas não só a costa croata é digna de referência. Com oito parques nacionais, dos quais se destaca o Parque Nacional de Plitvice, património mundial classificado pela UNESCO, e outros seis sítios também “abençoados” por esta classificação, de que refiro o núcleo histórico de Split, com o Palácio de Diocleciano, e a cidade antiga de Dubrovnik, a Croácia tem muitos pontos de interesse. Para não falar da hospitalidade das pessoas, rosto de um país e um conforto para quem chega.

Nesta minha viagem tive ainda oportunidade para uma incursão pela Eslovénia, até Lijubliana e, imagine-se, até à… Bósnia!... A primeira já esperada, etapa prevista no delinear deste percurso. Cidade bonita, acatitada, bem estruturada, com um centro histórico calmo e bem preservado, país já comunitário, transpira um certo bem-estar. Devo dizer que comunga também do mesmo apetite pelas esplanadas, que ao longo do rio, cujo nome desconheço, proliferam. A Bósnia, foi uma surpresa…! Pouco antes de Dubrovnik, no sul da Croácia, e enquanto procurava sítio onde dormir, eis senão quando a divisão administrativa deste país me prega uma partida e surge uma fronteira, com guardas e tudo e, quando menos esperava, estou no terceiro país do que assim se pode chamar a minha pequenina ronda pelos Balcãs…! Uma pequena localidade à beira-mar, Neum, em tudo semelhante às vizinhas, pois então! O país é interrompido, surge um pedacinho de Bósnia-Herzegovina, e é retomado uns quilómetros adiante, para terminar pouco mais à frente… assim como que uma porta estreita para que os bósnios possam ir até à praia… Enfim, peculiaridades do delimitar de fronteiras!

De regresso a casa, fica a lembrança de uns dias à descoberta de novos horizontes, de uns banhos em águas transparentes e de paisagens idílicas, daquelas que só imaginamos lá para os lados do Pacífico e que, afinal, encontramos em plena Europa…

Fotografias da Croácia

domingo, 3 de agosto de 2008

Iniciativas comunitárias por Terras do Xisto

Foz d'Égua
Início de férias de Verão, que se desejam variadas, como convém. A convite de amigos viajo rumo à zona Centro, onde, por entre a belíssima Serra do Açor, proliferam pequenas aldeias de xisto que pincelam a paisagem. Paisagem verde com traços de azul das ribeiras que correm por lá e que permitem um sem número de piscinas fluviais, para gozo dos sentidos. Se o olhar se delicia com a transparência das águas, o corpo agradece poder nelas mergulhar, nos dias quentes de um Verão do interior.

Fiquei a conhecer um pouco melhor a região, por onde há já bastante tempo não passava. Revisitei lugares que são pequenas pérolas, como a tão conhecida aldeia do Piódão, a vila de Avô ou a Fraga da Pena, em que, apesar das águas geladas, se mergulha e se explora os recantos, descobrindo os encantos de uma cascata saída do verde. Ou ainda a pequenina aldeia de Foz d’Égua, com a sua piscina natural e uma ponte de tábuas e corda sobre as águas, pronta para a aventura, a fazer lembrar o Indiana Jones… Simpáticas alternativas ou complemento às férias do litoral e às já cansadas “vistas” das praias de Agosto.

Mas, para além das belezas naturais, que são muitas, descobri outra realidade que desconhecia. Em Portugal, país onde o espírito comunitário não tem grande tradição e onde impera um certo individualismo nas acções, descobri que existe uma realidade chamada Comissão de Melhoramentos. De iniciativa popular, estas associações são constituídas por moradores e amigos das terras, que unem esforços, se colectam e organizam e se dedicam a promover e pôr em prática pequenas acções de melhoramento da sua terra, como a limpeza periódica das piscinas fluviais, arranjos no pavimento das ruas, a dinamização das festas, entre outras iniciativas. Como no caso da Comissão de Melhoramentos do Agroal, pequenina aldeia do concelho de Arganil, cuja comissão já existe desde 1951… Agindo por si só ou pressionando as autarquias, estas associações representam a voz da população local e, pelo menos nesta região - já que nunca me apercebi que outras houvesse noutras zonas do país -, são exemplos vivos de uma democracia representativa e dinâmica.

Para todos aqueles que desperdiçam os dias em lamúrias inconsequentes e que mais não fazem que apontar o dedo, aqui fica uma boa demonstração de que o progresso e o bem-estar dos povos depende mais de nós mesmos do que dos outros. Democraticamente. Com participação. Porque, como dizia José Mário Branco, quando se atribui a culpa à sociedade, ao país, tudo entidades abstractas, “a culpa é de todos, a culpa é de ninguém”…