terça-feira, 25 de março de 2008

Interioridades

O enfraquecimento da agricultura e o crescente desenvolvimento do sector terciário da economia provocou o boom da emigração, tendo como consequência a desertificação de grande parte do interior português. Nos últimos anos verifica-se uma gradual valorização dos espaços rurais, quer para segunda habitação, quer para habitação permanente. Contudo, em pequena escala e não ainda de forma significativa.

Se é verdade que, nas últimas décadas, as autarquias têm desenvolvido esforços para criar novas infraestruturas, o que é certo é que a opção mais escolhida para rosto deste "progresso" é a criação, por exemplo, de piscinas municipais e de polidesportivos. Muito úteis, certamente. Mas criar estes equipamentos para quem? Isto pressupõe que haja habitantes nestas terras para desles desfrutar e para os dinamizar. Ora não são os pormenores que desenvolvem o interior mas sim a criação de empregos e de estímulos para repovoar o país. Criar equipamentos que quase só têm utilização no Verão, por mais agradáveis que sejam, é uma opção fácil e populista mas que não defende os reais interesses das regiões.

O turismo surge sempre como a solução mais promissora. Tomemos o exemplo da zona raiana. Tem património, tem história, tem boas acessibilidades. Mas há que criar interesses concretos que atraiam visitantes àquela região. Há alguns exemplos bem sucedidos, como é o caso de Idanha-a-Nova, com o seu festival de música anual e a criação do Centro Cultural. Mas há muito por fazer ainda neste campo. E, já agora, se as câmaras raianas se queixam (à imagem de todas as outras) que não têm dinheiro suficiente para fazer crescer os seus municípios, porque não se juntam numa acção concertada para dinamizar regiões e não só para dinamizar concelhos?

Em vez de se persistir na gestão individualizada, em que cada município vive de costas voltadas para o seu vizinho, porque não partilhar recursos - financeiros e logísticos?

Porque não há vontade para tal. É claro que esta acção pressupõe uma atitude mais pro-activa, que não tem tradição entre nós. Mas parece ser a única via para a sobrevivência das regiões e para um desenvolvimento sustentável. E, consequentemente, para a sobrevivência das grandes cidades, também.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Parabéns, Hot!

O Hot Club de Portugal comemorou ontem, dia 19 de Março, o seu 60º aniversário, com um concerto no S. Jorge, bem pertinho do seu retiro na Praça da Alegria. A Big Band, com 17 músicos em palco, maestro, Mário Laginha ao piano e Maria João - na voz e na presença. Uma presença sempre intensa: no meio do preto sóbrio da orquestra, ei-la que surge, a nota de cor, um verdadeiro ponto de exclamação! na sua saia hipercolorida, qual Poupas da Rua Sésamo, gaiata, enérgica. A sua música conta-nos histórias e fala-nos de gentes, africanas, coloridas. Tudo isso assim sentido, de chofre, sem respirar.


sábado, 15 de março de 2008

Um olhar comum...


A arte cinética, também conhecida como Cinetismo, é uma corrente das artes plásticas que explora efeitos visuais por meio de movimentos físicos ou ilusão de óptica ou truques de posicionamento de peças. Artistas como Marcel Duchamp (1887-1968), Alexander Calder (1898-1976), Vasarely (1908), Jesus Raphael Soto (1923), Abraham Palatinik (1928), Yaacov Agam (1928), Jean Tinguely (1925), Pol Bury (1922) são apontados como expoentes desta linguagem. (Wikipédia)

O Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado inaugurou uma exposição dedicada ao cinetismo e intitulada Revolução Cinética, que estará patente ao público até dia 15 de Junho. Esta exposição conta com a participação de obras de 30 artistas, estrangeiros e nacionais, dos quais destaco Victor Vasarely e Marcel Duchamp, dois dos principais impulsionadores desta corrente. Portugal está representado, entre outros, por Nadir Afonso, René Bertholo, António Pedro, Eduardo Nery e Artur Rosa (ver aqui e aqui).

A primeira exposição de arte cinética - Le Mouvement - teve lugar na galeria de Denise René em Paris, em 1955, tendo ficado registado o fracasso que provocou entre os visitantes. Mais tarde, em 1966, esta exposição é acolhida no MoMA e Brian de Palma realiza um documentário da inauguração, The Responsive Eye, filme este que está integrado na exposição do Museu do Chiado. Devo dizer que esta "peça" agradou-me particularmente, já que devo confessar a minha quase incapacidade para aderir a grande parte das obras aqui expostas, apesar de, creio, entender o conceito subjacente (alguns dos artistas representados têm, acho eu, obras mais apelativas). Pelo contrário, o documentário de Brian de Palma, em que são entrevistados desde especialistas (um psicólogo, um oftalmologista, o comissário da exposição, e outros) a público em geral, salienta, a meu ver, as várias linguagens existentes e a diferença entre estes dois mundos, bem patente no tipo de considerações tecidas. É interessante ver como os especialistas das diversas áreas estabeleciam ligações entre os seus domínios e a arte cinética, interpretando e tirando conclusões, enquanto que os outros mortais registavam as suas impressões de forma - essa sim - mais sensorial e simples, limitando-se a gostar ou não do que viam. Olhares comuns...

sexta-feira, 14 de março de 2008

Dos Direitos...

Apesar de tanto se glosar a Mulher e de tanto cantar o 8 de Março, de tanto se postar, publicar, de tantas rosas se oferecer, a realidade está sempre lá, bem presente, a puxar para baixo quem reflecte sobre estes assuntos e quem teima em ver em vez de somente olhar...

Vem este arrazoado a propósito da recente "notícia" (?) da presença da mulher de António Costa, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, na manifestação de professores do último dia 8. Logo a comunicação social foi eco (ou propulsora?) das más-línguas, que ampliaram a presença de Fernanda Tadeu nesta manifestação, qual zoom de paparazzi. De repente, esta mulher passou a ser conhecida e a sua atitude cívica ganhou contornos políticos, não por mérito próprio mas, somente, pelo facto do seu marido ser uma figura pública, membro do partido do Governo.

A incapacidade em separar as águas é notória. Subscrevo inteiramente as palavras do jornalista Nuno Ramos de Almeida, na coluna Praça Vermelha do Meia Hora, ao lembrar que a figura do chefe de família já não existe e que a liberdade de expressão e os direitos não têm género. Ao associá-la ao marido nesta questão, para além de tentar tirar dividendos políticos deste acto, constitui uma afronta à sua individualidade.

Os pequenos nadas são notícia, ou por falta de capacidade de tratar questões maiores ou, sobretudo, pela ganância das vendas e das audiências. Quem fica a perder são sempre os mesmos, nós todos.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Caramel

De há muito que gosto de novas cinematografias, novas linguagens, outros olhares.

Caramel, ou caramelo. Feito de açúcar, sumo de limão e água, é a técnica artesanal utilizada para servir de cera depilatória no cabeleireiro (pomposamente chamado de instituto de beleza Venus Beauty) onde tudo se passa. Um filme no feminino, sem dúvida, protagonizado por cinco mulheres e as suas estórias, os seus pequenos nadas do quotidiano em que, por vezes, ecoam dramas maiores das suas vidas; como é o caso de Rose, a costureira, que se resigna a continuar sozinha e tomar conta da velha irmã tresloucada, abdicando do seu sonho de arranjar marido. Ou, ainda, de Jamale, a mulher que disfarça a menopausa, o passar dos anos, e a frustração dos seus sonhos de glória não alcançados.

Almodôvar parece estar presente nesta composição, neste conjunto de retratos. Quase que lhe sentimos a direcção das actrizes, os tiques, os ambientes neste "tom rosa", ao mesmo tempo tão alegre e divertido, como sério e espelho da sociedade libanesa.

Esta é a primeira longa-metragem de Nadine Labaki, a realizadora libanesa de 34 anos, que interpreta também a personagem de Layale, a bela proprietária do cabeleireiro. Em entrevista dada sobre o seu filme, ela resume-o desta forma: É a história de cinco mulheres libanesas, cinco amigas de idades diferentes, que trabalham e se cruzam num instituto de beleza em Beirute. (...) Neste universo tipicamente feminino, essas mulheres - que sofrem da hipocrisia de um sistema tradicional oriental - entreajudam-se nos problemas que encontram com os homens, o amor, o casamento, o sexo...

Numa viagem que fiz à Turquia há uns anos, senti a proximidade que existe entre eles e nós. Supostamente tão distantes (cultura, língua, religião...) e tão espantosamente próximos. Esta breve incursão pelo Líbano apenas veio reavivar-me a memória e confirmar isso mesmo: as cenas poderiam ser transpostas para um Portugal de há vinte anos, ou mesmo para o de hoje, em certos bairros mais populares, onde a cumplicidade entre vizinhos, um certo desmazelo nos hábitos do dia-a-dia e um tradicional quase desrespeito pela autoridade, tudo isto num ritmo típico do Sul, ligeiro e descontraído, me fez sentir algumas semelhanças.
Um filme de grande sensibilidade, uma "comédia" saudável que nos deixa um sorriso nos lábios...Um doce prazer.

Excertos de críticas sobre o filme, publicadas em títulos estrangeiros:

Libération
(...) a transposição do "Venus Beauty" (instituto) em pleno Beirute faz sentido: resume como ninguém a sociedade libanesa e a sua maneira singular de fazer sala como no tempo do protectorado. [francês]

Studio Francesa

(...) saudemos a performance das intérpretes, todas actrizes não profissionais que a realizadora descobriu em encontros casuais.

Le Monde
(...) elegância sensual da encenação. Servido por uma bela luz (Yves Senhaoui), que celebra tão bem a beleza das actrizes como leva em conta a miséria que por todo o lado ameaça o esplendor de Beirute, embalada por uma música elegantemente sentimental (de Khaled Mouzanar), Caramel encontra um ritmo singular que mescla intimamente a vivacidade com a gravidade do tempo que passa.

Première
Para a sua primeira longa-metragem, Nadine Labaki (...) evoca o seu país, o Líbano, por via de um microcosmos feminino a contas com os seus impulsos sensuais e a realidade contrastada do seu tempo. Os (longos) anos de guerra nunca são evocados, mas por trás da despreocupação voluntarista, o kitsch e a ligeireza aparente (o filme assume o seu perfume de comédia), o rosa bombom não é forçosamente a cor dominante. Machismo ambiente, religiosidade pouco discretamente batida nas sombras, crispações entre as comunidades, raparigas obrigadas a sacrificar os seus desejos no altar do dever: Nadine Labaki, frequentemente mais amarga que doce, dá a ver as restrições que pesam nas suas personagens.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Contos na rede

Ainda com o espírito de divulgação, aqui vos deixo uma porta para contos na Internet. Da responsabilidade da Ficções, intitula-se Biblioteca Online do Conto. Abram-na e lerão...